Tinha dias em que o cansaço era tão grande que até o barulho da chaleira chiando virava música de ninar. Eu me jogava na cama, apagava. E pronto: no dia seguinte, a energia voltava, como quem recarrega o celular na tomada da sala.

Mas a ausência de mim mesma… ah, essa era diferente. Não tinha sono que curasse. Era como perder as chaves de casa dentro da própria bolsa. Eu sabia que estavam ali, mas quanto mais procurava, mais fundo me perdia entre recibos velhos, brinquedos esquecidos e compromissos pendurados.

Ser mãe, ser profissional, ser tudo para todos… é bonito de dizer. Na prática, é fácil ir se apagando aos poucos, como uma lâmpada esquecida no fundo da casa. Demorei a entender que o que me faltava não era descanso, era reencontro. Não daqueles rápidos, de passagem. Era reencontro de verdade, feito quem abre a porta depois de muito tempo e respira fundo o ar da própria casa.

Os hobbies me ajudaram a puxar esse fio. A leitura, minha companhia mais fiel desde que me entendo por gente, continuava lá, como um ritual silencioso: abrir um livro antes de dormir, nem que fosse por dez minutos, era o jeito mais certo de não me perder de mim. Pintar livros de colorir trouxe outra camada: colorir sem pressa, escolhendo tons como quem escuta a própria voz em silêncio Assistir a filmes e séries virou mais do que distração: era jeito de criar espaços em que eu simplesmente existia, sem precisar desempenhar nenhum papel. E agora estou aprendendo a bordar... mais uma estratégia para ficar em silêncio e ouvir a mim mesma.

Esses gestos pequenos, tão simples que quase passam despercebidos, foram me costurando de volta à vida. Foram me lembrando que viver não é só cumprir tarefas e resolver problemas (meus e dos outros), mas também habitar a própria história, com presença.

Cansaço a gente resolve dormindo. A ausência de si mesma, não. Essa só se cura assim: reconstruindo a casa por dentro e, finalmente, morando nela de novo.