Medo de errar | Amanda Neuman | F5 News - Sergipe Atualizado

Medo de errar
Blogs e Colunas | Amanda Neuman 06/03/2022 23h00

Tirando a fase em que eu cismei que o cachorro da vizinha estava embaixo da minha cama durante a noite, nunca fui uma criança medrosa. Houve a fase dos pesadelos, sim. Naquela época, no meio da noite eu chamava “mamãe” ou “papai”, um deles vinha até meu quarto, eu dizia que tive um sonho ruim, fazíamos uma oração, pedíamos a Deus que eu sonhasse com os anjos, depois o medo passava e eu dormia em paz.

Uma das primeiras músicas que aprendi a cantar falava que “aprendi um bom segredo pra quando eu sentir medo”. E assim a minha vida foi gerada: na base da coragem, vencendo meus medos, mesmo que eles fossem sonhos ruins ou o escuro do quarto.

Ao assistir os famosos sendo entrevistados, sempre questionei o que eu responderia se me perguntassem o que eu mais temia. Eles sempre diziam sobre perder quem amavam ou sobre a incerteza do futuro. E eu nunca soube o que responder porque, se desconsiderarmos o fato de o barulho daquele motorzinho do dentista me dar calafrios na espinha, nada me dava medo de verdade.

Até o dia em que eu pensei na possibilidade de dirigir e a descartei totalmente porque simplesmente dirigir não era uma possibilidade. Não pra mim.

Eu não sofri um acidente de carro. Nunca tive um trauma que me bloqueasse em relação a isso. Pensei sobre o assunto um milhão de vezes na tentativa de entender o porquê de tanto pavor e nunca encontrei uma razão. Eu só sentia medo: de bater em outro carro, de atropelar alguém, de atrapalhar o trânsito, de ser uma péssima motorista. Medo de tudo de ruim que eu poderia causar.

Os anos passaram, comprei um carro junto com meu marido, mas ele seria o único motorista. Eu não tinha a menor pretensão de aprender a dirigir. Mais anos passaram, compramos um carro melhor - meu carro dos sonhos - e eu decidi me matricular na autoescola. Passei por todo o processo e fui aprovada de primeira. Tirei a carteira de motorista e, no fim das contas, nunca dirigi. O documento não tirou meu medo porque, de pouquinho em pouquinho, ele começou a fazer parte de mim. Eu me tornei a pessoa que vive com o medo tão de perto que nem sentia mais a presença dele ali comigo. 

Comecei a fazer terapia e nem cogitei falar desse assunto. Falei de tudo, de tanta coisa, durante meses, até que um dia, sem nem perceber, mencionei o medo de dirigir e percebi que era um problema de verdade. Não só o medo de dirigir, mas tê-lo incorporado a mim a ponto de não estranhar mais sua presença.

“Você tem medo de errar”, disparou minha psicóloga assim que contei a história que acabei de contar aqui.

Medo de errar. Medo de errar. Medo de errar. 

Aquelas palavras ecoaram repetidamente nos meus ouvidos e uma venda caiu dos meus olhos. Eu nunca tinha pensado na obviedade dessa afirmação e, mais que isso, eu não podia concordar com outra coisa além dessa. Eu realmente tinha medo de errar.

Não sou perfeccionista, definitivamente. Eu sei que perfeição não existe. Mas sou diligente demais - pragmática também - e sei que muitas vezes isso complica as coisas. Me dedicar excessivamente a tudo o que faço é um reflexo do medo que tenho de falhar no que quer que seja. Uma cobrança pessoal, íntima e inconsciente.

Decidi não ser mais assim. Eu não queria viver com medo de errar. Eu não quero viver com medo. O medo me incomoda, me paralisa. E eu sou movimento, sou ação. Busquei ajuda, respirei fundo, persisti na terapia e, não tão rápido quanto as palavras foram escritas aqui, venci o medo de errar e agora sou, oficialmente, uma mulher que dirige. Sem medo? Gradualmente. Confiante e decidida? Sempre. Viver com medo não é mais uma opção. Eu não me conformo com o que me incomoda.

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Amanda Neuman

Jornalista (UNIT) há 10 anos, mestra em Comunicação (UFS), doutoranda em Sociologia (UFS), pesquisadora na área de redes sociais e influenciadores digitais, e mentora de marketing para empreendedores e Influenciadores. Na internet, como mulher plus size que descobriu o amor próprio e auto estima além dos padrões, compartilha sua vida e vivências com outras mulheres e as encoraja a se amarem como são.

E-mail: amandaneuman.an@gmail.com

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