Todo mundo precisa de uma árvore
Blogs e Colunas | Amanda Neuman 06/09/2020 11h26 - Atualizado em 06/09/2020 11h34Eu tinha sete anos quando descobri que escrever seria minha árvore.
Estava na segunda série e a tia Silvinha, minha professora, pediu pra usar uma história que escrevi na aula de redação pra ilustrar a prova da turma um ano à minha frente. Achei sensacional. Passei minha história a limpo, fiz um desenho pra combinar e ela fez várias cópias no mimeógrafo da secretaria. Peguei aquele papel meio roxo, com cheiro de álcool, vi cópias e mais cópias da minha história, e me senti a própria Clarice Lispector com seus contos publicados. Eu só não sabia (ainda) quem era Clarice Lispector.
A história era simples. Dois irmãos passeavam pela floresta quando encontraram um lobo grande e feroz no caminho. Eles correram muito, mas não conseguiriam fugir do lobo. Então, viram uma árvore e subiram nela. Ali, no alto da árvore, se esconderam do lobo que foi embora. E eles viveram felizes para sempre. Todas as minhas histórias terminavam com ‘viveram felizes para sempre’. Clichê, eu sei. Mas me dá um desconto porque eu só tinha sete anos.
Nunca esqueci dessa história, talvez porque, depois do magnífico episódio de ser publicada na prova dos alunos da terceira série, meus pais não perderam tempo e compraram um caderninho novo onde eu podia escrever (e fazer um desenho) das minhas histórias. Eles descobriram, e eu também, que eu realmente gostava de escrever.
Eu gostava de ler também. Fui aquela aluna que leu todos os romances infanto-juvenis da biblioteca no ensino fundamental e médio. Ler as histórias dos outros e escrever as minhas próprias se tornou a minha árvore pra fugir do lobo grande e feroz. Ali, entre cenários, personagens e tramas, eu viajava, me distraía, sonhava e passava o tempo. Eu ficava alegre quando começava um livro novo e escrevia quando algo me deixava triste.
Não fui uma criança tímida, mas fui uma adolescente um tanto diferente das outras e, quando eu achava que não me encaixava, lia pra esquecer e escrevia pra desabafar. Escrever era a minha árvore: eu sempre subia ali pra fugir do lobo grande e feroz. Às vezes, o lobo era a insegurança de ser uma adolescente que pesava mais que as outras meninas da classe. Na faculdade, eu subia na árvore pra fugir do bullying por não ser tão bonita como a colega que era modelo, ou da comparação com a que parecia ser minha amiga, mas ria de mim quando eu não estava.
O tempo passou e a maturidade veio. A autoconfiança também. Se antes a minha árvore servia pra me ajudar a fugir de tudo, hoje a árvore serve pra me ajudar a ver do alto, de cima, onde a visão é clara e o ar é limpo. Hoje eu escrevo sobre tudo e sobre todos. Escrevo pra trabalhar (sou jornalista), escrevo pra estudar (faço doutorado), mas escrevo, especialmente, pra compartilhar. Não que eu seja a pessoa mais sábia do planeta ou a mais evoluída pra ter tanto a ensinar, mas eu tenho algo a dizer. Agora, escrevendo sobre escrever, me veio uma constatação: todo mundo precisa de uma árvore. O mundo é louco demais, os dias às vezes são tensos, a vida nos pede calma enquanto tudo corre lá fora, então a gente precisa ter uma árvore pra subir. Todo mundo precisa de um lugar pra descansar e olhar de cima, ver por outra perspectiva. Todo mundo precisa ter onde parar pra respirar ar puro e esperar o lobo grande e feroz ir embora.
Não importa qual seja seu lobo, você precisa de uma árvore. Ela pode ser algo ou alguém, tanto faz. Muitas vezes você vai cansar de correr e, quando parecer que o lobo vai te alcançar, o importante é que você tenha onde subir e pra onde fugir. Agora, eu estou aqui no alto, e espero que na árvore ao lado eu consiga ver você: olhando de cima e respirando ar puro. Eu espero que você ache a sua árvore.
Jornalista (UNIT) há 10 anos, mestra em Comunicação (UFS), doutoranda em Sociologia (UFS), pesquisadora na área de redes sociais e influenciadores digitais, e mentora de marketing para empreendedores e Influenciadores. Na internet, como mulher plus size que descobriu o amor próprio e auto estima além dos padrões, compartilha sua vida e vivências com outras mulheres e as encoraja a se amarem como são.
E-mail: amandaneuman.an@gmail.com
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