Sucessão familiar no rural brasileiro.
A difícil hora de trocar a cumeeira sem deixar a casa cair. Blogs e Colunas | Haroldo Araújo Filho 06/06/2022 07h00A frase acima é adaptada do ditado popular que diz: “Quando a cumeeira cai a casa cai junto”. Tal adágio, infelizmente, retrata muitos casos de sucessão familiar no rural brasileiro.
A sucessão familiar é, com certeza, um dos maiores desafios dos negócios rurais, independentemente do número de bens deixados na herança e da quantidade de membros da família.
O assunto por si só é por demais complexo, principalmente, porque é consequência direta do falecimento de algum dos seus entes. Não por menos, que o Código Civil Brasileiro de 2002 reservou do artigo 1.784 ao 2.027, ou seja, 243 artigos, para tratar do Direito das Sucessões.
O texto de hoje não tem nenhuma pretensão de esgotar este tema, dado sua complexidade e nuances, mas pretende apenas chamar atenção para que isso esteja nas conversas familiares e, principalmente, na organização e no planejamento do futuro de seus negócios rurais.
Sem nenhuma dúvida, esse é um processo que deve ser iniciado pelos pais, quando ainda gozam de plena condição física e intelectual, através de um diálogo aberto, confiável e, especialmente, sem nenhum tipo de pressão para com seus filhos.
Pontuamos pelo menos quatro importantes aspectos que devem estar presentes no diálogo, quais sejam: se já não conhecido pelos filhos, passar o conhecimento adequado do funcionamento da atividade, para que não sejam pegos de surpresa numa abrupta necessidade; buscar todos os meios de eliminar possíveis atritos entre os membros da família para que não sejam embriões de futuros imbróglios sucessórios de dificílima solução; transmitir os esforços envidados da atual e, se houver, das passadas gerações, na construção do empreendimento e sua relação com a identidade familiar; por fim, cultivar o sentimento de cooperação entre seus membros, reforçando que não há sucessor mais importante e com mais direitos do que outros.
Nesse toar, que os processos sucessórios devem, primeiramente, se afastar de tudo que possa levar à sina contida naquele também conhecido ditado popular: “pais ricos, filhos nobres, netos pobres” e incansavelmente se esforçar para alcançar a máxima dita pelo escritor Augusto Cury: “Pais inteligentes formam sucessores, não herdeiros”. Ou seja, os sucessores devem ser protagonistas na construção de seus próprios legados e não ficar esperando, espreitadamente, uma possível herança.
Tudo isso já seria por demais importante se falássemos apenas na sucessão do negócio, mas, cremos que se amplifica muito mais quando a propriedade rural, não é somente a atividade de sustento da família, mas é, principalmente, a mais sublime expressão de identidade do indivíduo, como perfeitamente retrata a canção “Eu, a saudade e a viola” de autoria do Padre Fábio de Melo, no verso:
A vida deixa de ser mãe para ser madrasta
Quando a gente se afasta do barro do nosso chão
Parece que vai esquecendo no caminho
A cada passo um pedacinho do partido coração
Por fim, o texto de hoje pretende provocar nos(as) leitores(as) que possuem negócio e identidade rurais a reflexão sobre o tema aqui trazido e que possam construir um profícuo e harmonioso processo sucessório e, especialmente, não se transformem no personagem da citada música:
Eu passo os dias vendo um álbum de retratos
Com a viola nos braços eu e ela e a solidão
Mas eu não era este ser amargurado
Quando tangia o gado na estradinha do varjão
Engenheiro Agrônomo do Incra/Ministério da Agricultura, formado pela Universidade Federal de Sergipe, pós-graduado em Irrigação (UFS). Secretário de agricultura de Riachão do Dantas (2005-2007); Superintendente regional do Incra em Sergipe ( 2016-2017); Delegado da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário em Sergipe (2017); superintendente do Ministério da Agricultura (2019-2023). Antes de ingressar no serviço público atuou em empresas comerciais do ramo agropecuário.
E-mail: hafaraujo@yahoo.com.br
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