'La Cocinera de Castamar' e 'La Templanza': emoção e romance em espanhol   | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

'La Cocinera de Castamar' e 'La Templanza': emoção e romance em espanhol  
Capricho em ambientação, vestuários e elencos fazem de ambas um ótimo entretenimento 
Blogs e Colunas | Levando a Série 30/07/2021 16h00

Há poucos dias, o perfil da Netflix no Instagram sugeriu “séries e filmes para chorar e amar em espanhol”. Um dos verbos – o chorar – ensejou que assinantes da plataforma reagissem em peso, e mal. Muitos se disseram chorando, mas por causa do recente aumento de preços dos planos de assinatura. Eu já havia assistido com prazer a uma das sugestões nessa estratégia marqueteira que saiu pela culatra  – La Cocinera de Castamar (A Cozinheira de Castamar) – e estava decidida a recomendá-la neste espaço. Como gosto de variar os streamings, fui buscar na Amazon Prime Video outra opção bacana de série em língua espanhola e encontrei: La Templanza (A Temperança). Ambas são histórias de época, misturam romance e ação num estilo bem diverso das produções norte-americanas, às vezes em meio a cenários que lembram o Brasil, seja pela arquitetura – casarios coloniais, por exemplo -, seja pela vida dura da maioria dos personagens sem títulos de nobreza. 

Tudo começa com uma tragédia se abatendo sobre o duque de Castamar, Diego (Roberto Enriquez). Um privilegiado diante dos arranjos matrimoniais comuns na Espanha do Século XVIII, ele ama a esposa, Alba (Xenia Tostado), que corresponde verdadeiramente. Numa bela manhã, o casal passeia a cavalo e ela aproveita o visual idílico para informar ao marido que está grávida, notícia que Diego recebe transbordante de alegria. Durou pouco. Logo em seguida, o cavalo montado por Alba empina e a lança ao chão, causando sua morte imediata. Isso não é spoiler, está no trailer, fora que a Netflix, em sua divulgação da série, situa o protagonista como viúvo. 

Transcorridos quase dois anos da perda, o duque de Castamar ainda se encontra mergulhado no luto. Falta-lhe ânimo sequer para usufruir do luxo de seu palácio em uma bela propriedade, tudo sob os cuidados de uma equipe de serviçais. O rei Filipe V (Joan Carreras) perde a paciência com essa reclusão voluntária, determina que o duque volte a se juntar à corte e oferece a ele um cargo poderoso, secretário do Conselho. O rei ainda ordena que Diego promova em Castamar um baile de gala, ao qual sua majestade de imediato confirma presença. Impossível recusar.

Chega o dia do grande evento, que inclui um banquete à altura do anfitrião em seu retorno àquela festiva corte. A governanta de Castamar, Úrsula Berenguer (Mónica López), flagra a cozinheira transando com um colega e a demite no ato - quase literalmente, pode-se dizer. Tal reação soa extrema e carente de sensatez, já que no pior dia imaginável, quando a elite de Madrid estava a caminho de Castamar. Revela-se, porém, vital para o enredo.

Ocorre que uma auxiliar de cozinha, a jovem Clara Belmonte (Michelle Jenner), acabara de ser contratada pelo mordomo Melquiades (Óscar Rabadán), por recomendação do padre local. A governanta Úrsula implica com a moça, aborrecida pela decisão à sua revelia, mas admite que passe por um período de experiência. Com a demissão sumária da fogosa cozinheira, a recém-chegada Clara se dispõe a assumir o preparo do banquete, resultando num sucesso gastronômico de aclamação unânime entre convidados e anfitriões, o que lhe garante o cargo máximo na movimentadíssima cozinha. 

Sucede-se um apanhado de clichês, destacando-se os obstáculos inerentes a relacionamentos entre pessoas com abissais diferenças de classe. Juntam-se no mesmo pacote vinganças e injustiças, associadas a uma elite de maioria hipócrita, cujo comportamento em público mantém aparências e discursos apropriados à moral vigente, enquanto na prática, às escondidas, faz o que tiver vontade. Nem sempre intrincados de forma a abstrair o público daquela impressão de “mais do mesmo”, esses elementos compõem uma infinidade de histórias. La Cocinera de Castamar lembra o porquê de sua longeva aplicação em narrativas ficcionais: no caso da produção espanhola, eles funcionam.    

A cozinheira Clara Belmonte e o duque Diego teriam a princípio apenas uma conexão, o profundo sofrimento. Ele, pela perda precoce e abrupta da esposa grávida; ela, pela conjuntura do pai, acusado de traição e na iminência de morrer na forca. Tal drama leva Clara a desenvolver pânicos como o de sair a espaços abertos, o que dificulta tarefas simples que lhe cabem em Castamar, a exemplo de buscar ovos no galinheiro. Felizmente, a gentileza e a educação da moça atraem céleres e preciosos auxílios de colegas de trabalho, logo depois amigas leais. Mas tem sempre uma pessoa estraga-prazeres e/ou invejosa nas histórias – igualmente comuns no mundo real – e a cozinheira gente boa ainda precisa lidar com tais personagens.

No peito do duque também bate um bom coração, destoante da superficialidade mimada e por vezes cruel visível em significativa parcela dos donos de títulos nobiliárquicos com os quais convive, salvo honrosas exceções. Essa índole mais humana e humanitária deve-se claramente a sua formação. O pai de Diego – falecido no tempo da série – havia salvado um menino do tráfico em navio negreiro. Leva-o para Castamar e a matriarca duquesa, Mercedes (Fiorella Faltoyano), se afeiçoa ao garoto, agora chamado de Gabriel. Cria-o tal e qual seu primogênito Diego, já quase rapaz, que acolhe um caçula inesperado e negro na chegada à família, com fartas doses de carinho e proteção. Essa circunstância explica porque só há trabalhadores assalariados naquele palácio, em vez de africanos escravizados. O dinheiro e a posição da família na corte poupam Gabriel (Jean Cruz) de preconceito explícito, mas não em definitivo.

Não vou entregar quem é o vilão-mor, mas posso dizer que se trata de sujeito ladino, falso como uma nota de trinta reais. No outro extremo, são um colírio as aparições de Francisco Marlango, o conde de Armiño (Maxi Iglesias) – um “pedaço de mau caminho”, conforme dizia minha saudosa mãe.

É importante a participação do rei Filipe V e eu fui checar se havia alguma coerência histórica na maneira como ele é mostrado na série – com grandes perturbações mentais – ou  se tratava-se de ficção carregada nas tintas. Venceu a primeira alternativa. Diz o historiador espanhol Pedro Voltes que sua majestade “caminhava nu diante de estranhos; passava dias inteiros na cama no meio da sujeira maior, fazia caretas e se mordia, cantava e gritava escandalosamente, uma vez que acertou a rainha, com quem lutou ruidosamente, e repetiu tantas tentativas de fuga que foi preciso colocar guardas em sua porta para evitar”.

La Cocinera de Castamar é baseada no romance homônimo do escritor Fernando J. Múñez, com adaptação de Tatiana Rodríguez Vázquez. Talvez porque eu aprecie muito histórias de época, achei belas as imagens e muitas cenas pelas quais se revela um enredo razoavelmente leve e rápido - apenas uma temporada com 12 episódios. Por enquanto, é a série nacional mais assistida na Espanha este ano, com exibição pela rede Antena3, e no Brasil vai muito bem de audiência. 

Agora vou corrigir um erro existencial. Em toda minha juventude como leitora contumaz da britânica Agatha Christie fui associando o xerez à Inglaterra, pela presença recorrente da oferta social da bebida em seus livros. Ledo engano. La Templanza (A Temperança), a outra sugestão de hoje, é o nome da série e também da propriedade da família Montalvo, produtora tradicional desse vinho licoroso e forte, na verdade típico da Espanha. 

A série disponível na Amazon Prime Video tem como protagonistas dois personagens com formações, finanças e trajetórias bem distintas, cujo destino finda se entrelaçando: Soledad Montalvo, a Sol (Leonor Watling), caçula dessa família cuja fortuna gravita o xerez, e Mauro Larrea (Rafael Novoa), espanhol que se muda para o México após uma tragédia.

Lá, ele trabalha em péssimas condições como chefe mineiro, função na qual estabelece amizade sólida e duradoura com o nativo indígena Santos Huesos (Raúl Briones), sob circunstâncias que não posso antecipar. 

La Templanza é uma superprodução, cujas gravações transcorreram por mais de cinco meses em 215 sets de filmagem, distribuídos por Cádiz, Jerez de la Frontera, Tenerife, Madri e Toledo, na Espanha, e por Dublin, capital da Irlanda. O trabalho mobilizou uma equipe técnica de aproximadamente 300 profissionais e um elenco multinacional, com mais de 130 atores e atrizes. Original Amazon Prime Video, a série foi viabilizada em parceria com Buendía Estudios e a Boomerang TV. A diretora de Conteúdo do Buendía classificou La Templanza como “uma grande notícia para a indústria espanhola de produção e radiodifusão, pois a ficção nacional continua a atingir níveis internacionais”. Cultura e entretenimento geram muitos empregos, divisas e projeção a um país, pena que o governo do Brasil parece ter se esquecido de tais méritos.  

A série espanhola é uma jornada épica, com salto temporal de duas décadas. As cenas vão do extremo da precariedade dos trabalhadores na mineração no México e do perverso comércio de escravizados em Cuba, até o luxo e a ostentação observada nos salões das altas sociedades  de Londres e, em menor escala, de Madri. O enredo flui que é uma beleza, embora haja cenas marcadas por muita perversidade. 

Cenografia e vestuário são saborosos ingredientes complementares que, executados com tamanho esmero, fazem da série um ótimo programa, de consumo rápido. Como em La Cocinera de Castamar, a produção televisiva se baseia num livro homônimo, este de autoria da bem quista María Dueñas. A escritora já teve outra obra adaptada para a TV – “O Tempo entre Costuras” –, também exibida pela rede Antena3. Infelizmente não a encontrei em catálogo brasileiro das plataformas de streaming que assino. 

Por fim, deixo à reflexão mais uma mensagem do meu ídolo Nelson Mandela, muito adequada às subtramas de ambas as séries: “A derrubada da opressão foi sancionada pela humanidade, e é a maior aspiração de cada homem livre”. 

Para maratonar

La Cocinera de Castamar – uma temporada com doze episódios, disponível completa na Netflix;

La Templanza – uma temporada com dez episódios, disponível completa na Amazon Prime Video.
 


 

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