‘Outlander’: um amor que vence o tempo e a distância | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

 ‘Outlander’: um amor que vence o tempo e a distância
Série merece a legião de fãs, unindo elenco afiado, ótima ficção e fatos históricos
Blogs e Colunas | Levando a Série 20/03/2021 10h35 - Atualizado em 20/03/2021 10h50

Eu escreveria três colunas sobre Outlander (Forasteira, numa tradução razoável, sobretudo pela semelhante carga pejorativa). Não dá para ser sucinta, motivo pelo qual hoje o foco recai sobre uma só história, no meu pódio de preferidas, por mesclar com grande eficiência elementos ficcionais consagrados: o amor lindíssimo, que a tudo sobrevive, de um casal cuja química é perfeita; mulheres fortes e vanguardistas, muita aventura, magia e viagens no tempo – tópico que considero sublime. 

No entanto, Outlander apresenta um algo mais que me marcou profundamente, uma situação que jamais vi ocorrer em nenhuma outra ficção, a se desenrolar no fim da primeira temporada.  Já assisti a mais de cem séries, tenho mais de mil filmes em DVD; acreditem, é absolutamente ímpar.  Justiça seja feita, esse mérito é da autora da saga literária Outlander, já com oito livros lançados – e meio mundo ansioso à espera do nono –, a escritora norteamericana Diana Gabaldon, em cuja obra se baseia a investida televisiva.

Vamos à história, até onde se pode ir evitando adentrar em spoiler.  A enfermeira Claire está passando férias na Escócia com o marido, Frank Randall. Corria o ano de 1945 e o casal experimentava uma nova lua de mel, já que passara bastante tempo separado no decorrer da Segunda Guerra Mundial – ela no front, a serviço do Exército britânico, tendo que encarar tarefas como amputar pernas de soldados; ele trabalhando na inteligência militar.  Frank tinha também outro objetivo: estudar a própria árvore genealógica, especialmente a trajetória de um ancestral escocês, Jonathan Randall, sobre quem pouco sabia além do nome. 

Enquanto não estão em meio a tórridas cenas de sexo, eles passeiam pela cidade de Inverness – que existe mesmo, é conhecida como “capital das Terras Altas” (as Highlands) e cuja atratividade turística se amplificou significativamente a partir de Outlander, tema que abordo adiante. O casal acaba testemunhando, à distância, um ritual que lindamente homenageia o “sagrado feminino”, no místico círculo de pedras bem próximo a Inverness, Craigh na Dun.

O espaço é fictício, uma competente execução cenográfica, com pedras de isopor, porém inspirado no real Callanish Stones, erguido na ilha escocesa de Lewis.  Destaque-se que há pelo mundo várias dessas estruturas, cuja datação é incerta, assim como seus objetivos. No Reino Unido, especialmente, se encontram muitas delas, sendo a mais famosa Stonehenge, próxima a Londres. 

A enfermeira Claire já vinha estudando ervas curativas e volta no dia seguinte a aquele lugar poderoso para colher algumas espécies que avistara no entorno de Craigh na Dun. Sozinha, vai dar aquela conferida de perto no círculo e, ao entrar nele, as pedras emitem um som, uma espécie de zumbido, o que leva Claire a tocar em uma delas. De imediato, ela se vê transportada a um local estranho.  Sem demora e sob circunstâncias muito desagradáveis, verifica atônita que viajou ao passado, ao se deparar com uma luta entre escoceses das Terras Altas e soldados ingleses. Isso não é spoiler, no trailer da primeira temporada já fica claro que ela viaja no tempo, no caso aqui 200 anos ao passado.

Claire acaba sendo levada pelos montanheses, os “highlanders”, desconfiados de que ela fosse uma espiã do inimigo inglês. Mesmo nessa situação adversa e insana sob todos os aspectos, o caráter voluntarioso da enfermeira se sobrepõe ao temor e a viajante do tempo trata as feridas de um dos homens do grupo de escoceses – Jamie Fraser, lindo de viver e, como o público vai descobrindo, igualmente belo por dentro.  Tem início aí o que viria a se tornar uma das mais cativantes histórias de amor, com Claire dolorosamente dividida entre o marido inalcançável no futuro e aquele espetáculo ali na sua frente, a cujo magnetismo ela bem que tenta resistir.   

Seguramente, um dos motivos do sucesso de Outlander se deve ao casal protagonista e, como já dito, à incrível química entre seus intérpretes, exposta em cenas quentíssimas, porém numa conexão que transcende a cama – ou o chão, ou o gramado etc.  A atriz que encarna Claire, a irlandesa Caitriona Balfe, foi uma modelo nível top, começou aos 19 anos e fez trabalhos para as mais renomadas marcas do mundo fashion, como membro do cast da Ford Models. Pelo que se observa na série, porém, só teve a ganhar na mudança de carreira. Não encontrei nada confiável sobre a escolha dela para o papel, mas quanto ao parceiro mais direto de atuação, sim. Várias publicações britânicas relatam a reação de Diana Gabaldon – autora dos livros – diante do ator Sam Heughan: “Oh, meu Deus, esse homem é um escocês até os ossos e Jamie Fraser até o coração”. 

O personagem chama Claire de “sassenach", palavra gaélica – língua de origem celta falada sobretudo nas Terras Altas da Escócia – que significa “estrangeira”. Naquele momento histórico de Outlander, a conotação era insultuosa, pois quase sempre aplicada em referência aos ingleses. O sentido se transmuta na boca de Jamie e o “sassenach” dito por ele à amada soa muito carinhoso, amor vencendo o ódio. A mulherada se derrete. Particularmente, o que me encanta é Claire ser ela mesma; Jamie ser ele mesmo, e vigorar o amor e o entendimento, sem qualquer competição entre ambos. 

O ator que interpreta o marido de Claire, Frank Randall, é o britânico Tobias Menzies, de quem você talvez se lembre como o príncipe Philip em “The Crown”, ou ainda como Edmure Tully, o irmão de Catelyn Stark em “Game of Thrones”. O talento demonstrado por ele em Outlander é digno de especial reverência, por uma característica que não posso comentar, embora o trailer, visto com atenção, meio que entregue.  De qualquer maneira, só assistindo para dimensionar como a potência da atuação de Tobias Menzies é decisiva para abrilhantar a versão televisiva. 

Outra faceta muito interessante de Outlander é que a série aborda fatos históricos. Claire foi de 1945 para o ano de 1743, em pleno auge da revolução jacobita, como ficou conhecido o movimento de levante dos escoceses a favor da restauração da dinastia Stuart contra os ingleses. Aqui a BBC me auxilia: “Carlos Eduardo Stuart era neto de James II, o último rei católico da Inglaterra, derrubado em 1688 pelo nobre protestante William III. James fugiu para a França, mas até morrer nunca abriu mão de seu direito ao trono. E, em 1745, Carlos, então o "herdeiro" após a morte do pai (também chamado James) foi para a Escócia tentar formar um exército para lutar com os ingleses e remover do trono George II, o que restauraria a dinastia Stuart”. A primeira temporada, em especial, se opera por completo dentro de tal contexto, uma ótima aula de história para quem tiver discernimento suficiente para separar os fatos da ficção. 

Outra parte muito valiosa da trama nesse sentido ocorre mais adiante, quando Claire e Jamie ficam de cara para a chaga humanitária aberta pela escravidão. Enquanto muitos não se sentem à vontade com o assunto, a produtora executiva Toni Graphia defendeu o episódio, dizendo que tentaram não o encobrir ou amenizar as cenas descritas na obra da gloriosa Diana Gabaldon e que chocaram sobretudo Claire. Lembre-se, ela veio de 1945 e ali assistia in loco a barbárie que só conhecera nas páginas dos livros.

Toda essa conformação histórica que permeia Outlander ensejou que as Terras Altas escocesas ganhassem extraordinário impulso turístico. Há diversas excursões para locais mostrados na série, Inverness virou o destino dos sonhos dos fãs e a economia local agradece. “Grande parte dos castelos que visitamos possuía materiais/produtos da marca Outlander, como souvenirs, brasões de clãs, roupas, inclusive chalés na cor do tartan dos Frasers… mas infelizmente não são tão baratos em decorrência da nossa moeda desvalorizada. Um chalé, por exemplo, custava em torno de 40 Libras”, diz uma brasileira sobre sua segunda visita ao país, no blog “Viagens e Vivências”. O local onde ocorreu a Batalha de Culloden, tida como o episódio mais sangrento da história escocesa, também é visita que não pode faltar no roteiro.

Muito ainda poderia dizer sobre os valores que se espraiam pelo enredo de Outlander, entre os quais lealdade, companheirismo e bravura – e, lógico, o único amor verdadeiro, na minha opinião, aquele que liberta em vez de oprimir, que engrandece os amantes, ao invés de os apequenar.  Espero ter seduzido o(a) leitor(a) a conferir essa história cheia de reviravoltas e descobertas. 

Despeço-me com as palavras da jornalista e escritora gaúcha Martha Medeiros, de quem sou superfã. Levadas ao contexto de Outlander, caem como uma luva: “O amor verdadeiro tem destas coisas: não se explica, não se controla, não se racionaliza, simplesmente toma conta. É uma droga, um vício, uma viagem entre o céu e o inferno, ida e volta, sem parar”.

Para maratonar: 

Outlander – Quatro temporadas, total de 55 episódios, disponível da Netflix. A quinta já foi lançada, mas ainda não chegou ao streaming, e a produção da sexta já teve confirmação. 


 

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