Parks and Recreation: o serviço público na berlinda vira protagonista da história | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

Parks and Recreation: o serviço público na berlinda vira protagonista da história
Série leve e divertida mostra a beleza e as agruras do trabalho pelo interesse coletivo
Blogs e Colunas | Levando a Série 25/06/2021 16h00

Trabalhos de diversas naturezas renderam e rendem muitas boas histórias. Da delegacia louquíssima de Brooklyn 99 ao hospital em que brilham os diagnósticos do doutor House, o ambiente profissional muitas vezes é tão significativo para o enredo quanto os protagonistas de carne e osso. É o caso também da comédia Parks and Recreation (Parques e Recreação), que traz no título os setores sob responsabilidade de uma repartição pública municipal da fictícia cidade de Pawnee, no estado de Indiana, nos EUA, onde ocorre a maior parte das cenas.

O Departamento de Parques e Recreação é icônico do desdém do cidadão americano médio pelo serviço público. E a série carrega nessas tintas ao fazer da repartição o suprassumo da ineficiência, pela apatia quase generalizada de seus membros. A exceção está na vice-diretora Leslie Knope, uma cornucópia de projetos, incansável em seu otimismo e propósito de deixar um legado à altura dos moradores de Pawnee, que considera sinceramente um paraíso terreno.  A executiva rema inclusive contra a maré do superior imediato dela, o diretor Ron Swanson, que não esconde seu desprezo por governos de modo geral e, assim, cumpre o mínimo de tarefas possível, enquanto rosna contra a burocracia – para ele, excessiva em toda e qualquer circunstância.

Parks and Recreation lembra The Office e esse rótulo colocou a sobrevivência da série em risco tão logo ela foi lançada. Grande parte da crítica caiu de pau, mas a semelhança se deu em respeito à encomenda feita pela NBC ao criador de "The Office", Greg Daniels, de um spin-of, ou seja, uma derivação daquele grande sucesso da rede, que sequer havia terminado. No entanto, Daniels convocou o principal roteirista de "The Office", Michael Schur, e ambos criaram uma história cujo perfil apresenta conexões inegáveis com aquela ainda em curso, porém dotada de particularidades capazes de afastar a impressão “mais do mesmo”.

Consagrado em "The Office", repete-se em Parks and Recreation o estilo "mockumentary", termo que agrega as palavras inglesas "mock" (falso) + "documentary" (documentário). A mudança de ambiente do escritório de uma empresa de papel para uma repartição pública tenderia à irrelevância, sem a magia de Greg Daniels e Michael Schur. Faz uma enorme diferença em toda a concepção da história, alimentada pela contratação da atriz Amy Poehler, que gerou a proposta de tornar a servidora Leslie Knope personagem principal. 

Comigo deu muito certo, foi paixão à primeira vista. Mesmo no bojo de um escracho deliberado, próprio de comédias, a protagonista consegue ser inspiradora, ainda que nas proporções da absoluta escassez de coerência no enredo. Desde criança, Leslie acompanha a trajetória de mulheres aguerridas, pelas quais tem admiração ao ponto de colocar fotos de algumas em sua sala, a exemplo de Hillary Clinton. A ambição da vice-diretora é ser presidente dos Estados Unidos, mas o que a move passa longe da mediocridade: reside na firme crença em um utópico espírito público, segundo o qual os governos e seus órgãos existem para servir às pessoas. Acho lindo.

Com um orçamento irrisório e um chefe infeliz no cargo que ocupa, Leslie segue em frente a pleno vapor, na busca por mostrar trabalho à sociedade local, do jeito que for possível. Numa dessas investidas, ela resolve celebrar o casamento de um casal de pinguins que acabara de ser adquirido pelo Zoo de Pawnee. Mal começa a “cerimônia”, um fato insólito ocorre diante das câmeras e a vice-diretora se vê inadvertidamente alvo de polêmica, provocada por uma entidade defensora da “moral”. Mas Leslie nunca esmorece, característica que a torna apaixonante.  

A vice-diretora comete erros, os assume com coragem e trata de resolvê-los. Humanizada, vai transformando a equipe pela via do exemplo, não de uma perfeição insustentável, mas pelo objetivo sincero de promover o bem, confirmado por suas ações em prol da comunidade. Nessa jornada, Leslie toca inclusive o coração de seu superior hierárquico, o já citado diretor do departamento Ron Swanson (Nick Offerman), personagem que transita entre a babaquice e lampejos de bondade e empatia.

Parks and Recreation começa com a queixa de uma cidadã, a enfermeira Ann Perkins (Rashida Jones), quanto a uma obra inacabada que deixou uma cratera aberta ao lado de sua casa. Ann namora o músico Andy, um crianção interpretado por Chris Pratt, cuja carreira ascendeu continuamente, ainda mais depois de atuar como Peter Quill, o Senhor das Estrelas, nos filmes “Guardiões da Galáxia”, papel pelo qual chegou a "Os Vingadores". A enfermeira Ann e o irresponsável Andy vão ganhando importância na história, por razões que não posso antecipar. 


O braço-direito de Leslie Knope é Tom (Aziz Ansari), mais interessado em auferir ganhos indiretos – e antiéticos – pelo uso de seu poder de influência nas contratações eventuais de empresas e serviços para atividades do departamento. Há ainda a estagiária April (Aubrey Plaza), cuja apatia só se compara ao visível desprezo da moça pela espécie humana; e os funcionários Jerry (Jim O’Heir) e Donna, interpretada pela atriz e comediante Retta, uma das protagonistas de Good Girls, já recomendada aqui. 

Na primeira temporada, um dos poucos servidores a mostrar relativo empenho no próprio trabalho é o urbanista Mark (Paul Schneider). Posteriormente, juntam-se ao departamento dois auditores do Governo de Indiana - Chris Traeger e Ben Wyatt. O primeiro ficou muito divertido na pele de Rob Lowe; me evoca um golden retriever, sempre alegre, jorrando energia por todos os poros. O servidor Ben, ao contrário, exala frieza em sua eficiência maquinal, personagem que surge enfadonho, um picolé de chuchu, até ser também tocado pelo furacão Leslie Knope. Bati os olhos em Ben e me lembrei na hora do ator que o interpreta – Adam Scott – em seu papel como o demônio Trevor na ótima The Good Place.

Parks and Recreation reverteu a opinião da crítica, ganhou o público e rendeu sete temporadas, exibidas pela NBC de 2009 a 2015, e atualmente disponíveis na Amazon Prime Video. São episódios curtinhos, de aproximadamente 20 minutos, na medida do entretenimento leve, como é o caso. 

Em abril de 2020 - portanto cinco anos após o encerramento da série -, para júbilo dos fãs, o elenco central se reuniu virtualmente num episódio de cunho beneficente com objetivo de arrecadar recursos para o "Feeding America" (Alimentando a América), fundo de auxílio aos atingidos pela covid-19 nos EUA. Atores e atrizes gravaram das próprias casas, interpretando os respectivos personagens em um reencontro por videoconferência com Leslie Knope, que buscava saber como sua antiga equipe vinha lidando com o isolamento social. A iniciativa direcionava o público para o site do "Feeding America" e angariou cerca de 3 milhões de dólares, nada mal. 

Por fim, deixo à reflexão frase célebre do jurista, escritor e professor Celso Antonio Bandeira de Mello, considerado um dos expoentes do Direito Administrativo do Brasil: “O serviço público é o patrimônio dos que não têm patrimônio”.

Para maratonar:
Parks and Recreation – sete temporadas, total de 125 episódios, disponível na Amazon Prime Video. 

 

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