‘Peaky Blinders’ e ‘The Night Manager’: crime organizado como base de muita ação | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

‘Peaky Blinders’ e ‘The Night Manager’: crime organizado como base de muita ação
Duas séries britânicas produzidas pela BBC nos entregam fartas doses de inteligência 
Blogs e Colunas | Levando a Série 23/07/2021 16h00 - Atualizado em 23/07/2021 16h34

Existe uma infinidade de séries que a princípio se enquadram no gênero criminal, atendendo aos mais variados gostos. Há aquelas que imprimem doses de comédia às rotinas de investigações policiais – casos de Monk, The Mentalist, Good Girls e Sherlock. Há outras que extraem da luta contra o crime motes para uma esculhambação generalizada, como em Psych e em Brooklyn99, e algumas cujo público, em grande parte, tende a torcer pelos fora-da-lei, o que se verificou em La Casa de Papel e em Lupin. E há também as que não aliviam a tensão com qualquer pitada de humor ou leveza, a exemplo de Um contra todos e Breaking Bad.

As duas sugestões de hoje seguem essa última linha: sob um suspense constante, a violência mostra toda sua feiura, mas sem gratuidade, ao contrário, fundamenta enredos muito inteligentes. Peaky Blinders, disponível na Netflix, conta a saga da gangue homônima em sua ascensão no mundo do crime na Inglaterra dos anos 1900. The Night Manager (O Gerente da Noite), disponível na Amazon Prime Video, junta dois grandes atores numa disputa entre herói e vilão, baseada no livro de mesmo título do escritor britânico John Le Carré, consagrado mundialmente.  

Peaky Blinders nos apresenta a família Shelby, de ascendência cigana. Os filhos Arthur, primogênito, e Thomas retornam à Birmingham em 1919, depois de servirem no Exército Britânico durante a Primeira Guerra Mundial, o segundo inclusive ganhando duas medalhas por bravura. Quando ambos se ausentaram para lutar pela Inglaterra, a gangue que formaram na cidade natal ficou sob responsabilidade das mulheres da família, com a tia Polly e sua mão de ferro no comando. A partir dessa volta para casa, Tommy – como todos os chamam - vai minando a liderança até então exercida por Arthur, na administração dos negócios de apostas ilícitas, extorsão, roubo e corrupção policial.

Na prática, astúcia e um perfil ambicioso levam Tommy a operar a expansão do raio de alcance e do poder dos Peaky Blinders. E o irmão mais velho libera o comando com relativa tranquilidade – algo que lhe falta quase sempre –, porque reconhece a capacidade do outro como estrategista.

A série começou a ser exibida pela BBC Two em 2013 e, desde então, angaria popularidade crescente, sobretudo a partir do ingresso no catálogo da Netflix. Mas o que levou tanta gente a se interessar pelas operações de uma gangue em uma cidade marrom e enlameada como a Birmingham daquela época? A resposta é simples: trata-se de uma história cativante, muito bem conduzida, razão pela qual prossegue recebendo críticas positivas e já teve confirmação da sexta temporada, supostamente a final.  

É impossível comentar o enredo à altura do que merece sem adentrar no território do spoiler. São muitas reviravoltas, surpreendentes inclusive para o resto da família Shelby, já que o líder dos Peaky Blinders, Tommy, tem uma sagaz visão sobre potenciais empreendimentos futuros, nem todos ilegais, e prepara seus projetos sem grandes explicações. Até ele resolver que é chegada a hora de distribuir incumbências.

O protagonista Thomas Shelby deve muito a seu intérprete – assim como a série em geral -: o ator e músico irlandês Cillian Murphy, de quem você talvez se lembre como o médico psicopata Jonathan Crane, o vilão “Espantalho” na trilogia dos filmes Batman assinada pelo diretor Christopher Nolan. Numa associação imediata, o gângster me evocou o Dom Corleone de Marlon Brando no espetacular “The Godfather” (O Poderoso Chefão, na versão brasileira). Como o líder mafioso do primeiro filme, Tommy é dotado de um cérebro capaz de costurar estratégias e atrair contatos adequados a seus propósitos, ao invés de usar os punhos ou as armas – embora lance mão de ambos os recursos quando acha necessário.

Outra personagem decisiva para o sucesso de Peaky Blinders é a tia Polly, que assume a posição de matriarca da família Shelby e cumpre tarefas essenciais nos negócios da gangue. “Seu primeiro momento como Polly na tela quebrou todos os preconceitos de como uma mulher de sua idade vivendo naquela época deveria se parecer e agir”, disse numa entrevista o criador e roteirista da série, Steven Knight. 

Disse ele ainda: “baseei o personagem da tia Polly em mulheres reais da classe trabalhadora com quem eu cresci: ferozes, assustadoras, protetoras de si mesmas, engraçadas e sempre cientes dos absurdos da vida”. Knight, a propósito, também se inspirou nas histórias contadas por seu pai para construir os perfis dos gângsters de Peacky Blinders. Quanto à tia Polly, só discordo do “engraçada”, os demais atributos foram cumpridos à perfeição pela atriz Helen McCrory, cuja carreira contabiliza mais de 30 filmes. Entre seus papéis, está a mãe de Draco Malfoy, Narcisa, na saga Harry Potter. Em abril passado, a atriz morreu de câncer, aos 52 anos, deixando dois filhos e o marido, o ator Damian Lewis. As gravações da temporada final de Peaky Blinders já estavam em curso e com certeza está sendo tarefa triste e complexa lidar com a ausência da insubstituível Helen McCrory.  

Em um dos muitos momentos marcantes da tia criminosa, ela expressa seu ódio pelo inspetor-chefe Campbell, um policial de alta estirpe disposto à muita violência – inclusive sobre inocentes – no objetivo de cumprir a tarefa que lhe foi confiada por um jovem Winston Churchill: exterminar as gangues e os comunistas da cidade. O inspetor Campbell revela mais uma ótima atuação do experiente Sam Neill, o paleontólogo em Jurassic Park I e III, só para citar um trabalho de sua extensa filmografia. E mais não posso dizer.

O elenco tem outros grandes nomes, inclusive Anya Taylor-Joy, que protagoniza a excelente série O Gambito da Rainha, mas decerto contribuiu também para a repercussão de Peaky Blinders o ânimo da BBC em investir pesado na produção. A rede britânica abriu os cofres para caprichar no detalhamento cênico, incluído o vestuário, tudo fiel ao contexto histórico e apresentando uma estética primorosa. 

Resta dizer que Peaky Blinders se baseia vagamente em fatos, existiram não uma, mas várias gangues com esse nome em Birmingham, porém num período anterior ao da série e sem qualquer administração familiar. O historiador Carl Chinn, que pesquisa há décadas a atuação na Inglaterra desses grupos criminosos, é autor do livro “The Real Peaky Blinders”, e afirmou em entrevista: "Não havia nenhum Tommy Shelby de verdade, os Peaky Blinders existiam na década de 1890 e, no entanto, a série se passa na década de 1920”. 

Ele rechaça também a teoria segundo a qual o nome da gangue se originou da prática de seus integrantes de costurar lâminas de barbear nos respectivos bonés, usando-os para ferir as testas e/ou olhos dos oponentes nas lutas, os cegando ao menos temporariamente – “peaky blinders”, numa versão tosca, é “cegadores pontiagudos”. Diz o historiador Carl Chinn: “as lâminas de barbear estavam apenas começando a chegar a partir da década de 1890 e eram um item de luxo, muito caro para serem usadas pelos Peaky Blinders”. Esse ardil ofensivo um tanto ilógico aparece em cenas da série da BBC que, destaque-se, foi correta em situar a obra como ficção.  

O crime organizado agora contemporâneo e em outra esfera – o chefe é um milionário aclamado socialmente – está também na excelente The Night Manager (O Gerente Noturno). A série disponível na Amazon, originalmente exibida pela BBC, marca a volta do ator inglês Hugh Laurie à TV, desde House, encerrada em 2012 e já recomendada aqui, a cujo papel título, do genial e arrogante médico especialista em diagnósticos, conferiu um estilo próprio e, portanto, singular. Em The Night Manager, o ator e também músico de sucesso interpreta um empreendedor multimilionário - Richard Onslow Roper -, filantropo e muito educado, característica que o difere por completo do personagem a lhe render consagração de crítica e audiência, fora dois Globos de Ouro. 

Para completar, Hugh Laurie divide o protagonismo da história com o também inglês Tom Hiddleston, célebre como o Loki, irmão nem tão malvado do herói-deus-gato Thor nos filmes da Marvel. Nada contra, vi todos com prazer, no entanto, o trabalho do ator vai muito além, inclusive com uma sólida e contínua carreira no Teatro, na TV e até no Rádio, em produções da BBC. Na série, ele interpreta Jonathan Pine, o gerente noturno do título, que trabalha em um hotel de luxo na cidade do Cairo, Egito. Ex-soldado, reconstruia sua vida em paz, até se ver envolvido em uma sucessão de eventos capaz de manter em suspenso o fôlego do público. Tom Hiddleston venceu o Globo de Ouro de melhor ator em minissérie ou filme para a televisão por sua performance em The Night Manager, em 2017, além de ter recebido uma indicação ao Emmy. E seu papel na franquia Thor/Avengers ainda rendeu a ele uma série para chamar de sua – “Loki”, original da Disney+ com produção da Marvel Studios.

The Night Manager é baseada no best-seller homônimo do bem sucedido John Le Carré. A história é rapidinha – apenas seis episódios – e transcorre eletrizante, num fluxo contínuo de ação e inteligência. Achei interessante o olhar sobre as personagens femininas do elenco principal, cujas belezas as situam como bibelôs sexuais de milionários, mas Sophie Alekan, que determina o desenrolar da história iniciada no Egito, e Jed Marshall, peça chave mais à frente, não se limitam nem de longe a esse rótulo, e mostram competentes atuações das atrizes Aure Atika, portuguesa, e Elizabeth Debicki, francesa, respectivamente.

Reencontramos ainda um talento que fez papel majestoso – sim, é um trocadilho –, a rainha Elizabeth de meia idade no sucesso The Crown. Em The Night Manager, a incrível Olivia Colman interpreta a investigadora policial Angela Burr, que consegue ser dura usando argumentação sinceramente bem intencionada, mantendo uma singela doçura, ainda mais pela sua condição de gestante. No vigoroso jogo de gato-e-rato da lei contra o astuto e bon vivant Roper, também conhecido como bandido de colarinho branco, Angela Burr é seu pior pesadelo. Um papel à altura da rainha Elizabeth no original Netflix, embora a série tenha virado um calo nos pés da Família Real, conforme a coluna informou. Apenas uma só razão já justifica conferir The Night Manager: não é corriqueira uma série cuja intérprete da protagonista feminina levou dois Oscar para casa -  Melhor Atriz em 2019 e Melhor Atriz Coadjuvante em 2021. 

O autor da obra inspiradora, John Le Carré escreveu uma “carta aos fãs” publicada pela rede AMC e cujo link deixo aqui por tê-la achado lindíssima e jorrando encanto pela adaptação televisiva, algo a que era inicialmente refratário. O início resume a aprovação absoluta de Carré, que morreu em dezembro passado, com 89 anos, ao The Night Manager na versão do criador e roteirista da série, Steven Knight: “Foi um dos inesperados milagres da minha vida de escritor: um romance que escrevi há mais de vinte anos, que estava enterrado no fundo dos arquivos de uma grande empresa de cinema que havia comprado os seus direitos e para o qual nunca cheguei a fazer um filme. De repente, ele volta à vida e é recontado para os nossos tempos. E como!”.

Por fim, deixo à reflexão frase atribuída ao filósofo Cícero, da Roma Antiga: “Todo homem é atingido pelos próprios crimes”. Acredito que sim, nessa vida ou após. 

PS – Não poderia deixar de comentar que a Netflix mandou a louca e anunciou, nesta quinta-feira (22), que vai aumentar seus preços de assinatura. Além de ser uma péssima estratégia, sobretudo quando acaba de chegar ao país um fortíssimo concorrente – a HBOMax - , os assinantes da hoje líder de mercado reagiram subindo no twitter a tag  “R$ 55,90”. É o futuro preço do pacote Premium, que dá direito a quatro telas simultâneas. Só que a gente tem o mesmo por R$ 9,90 na Amazon e por R$ 13,50 assinando até o próximo dia 31, na promoção da HBOMax, como a coluna informou. Sei não, aparentemente a Netflix resolveu dar um tiro no próprio pé, como se diz, e já verifica retiradas em seu público. Eu mesma vou trocar meu pacote para o mais simples e barato.  

Para maratonar: 

Peaky Blinders - cinco temporadas (sexta e final confirmada), cada uma com seis episódios, disponível na Netflix; 

The Night Manager - uma temporada com seis episódios, disponível completa na Amazon Prime Vídeo, mas já com tratativas para uma continuação.

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