Quando a ficção é inquietante e vai muito além do entretenimento | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

Quando a ficção é inquietante e vai muito além do entretenimento
 “Black Mirror” e “The Twilight Zone” exageram, mas novas realidades estão logo ali
Blogs e Colunas | Levando a Série 06/11/2020 16h00 - Atualizado em 06/11/2020 16h28

“Isso é muito Black Mirror!”. Quem convive com jovens provavelmente já ouviu, mesmo sem entender, essa espécie de bordão que se disseminou pelo Brasil para definir um fato entre curioso e estranho na esfera tecnológica contemporânea.  Faz todo sentido, já que a série Black Mirror (Espelho Negro) mergulha nas possibilidades abertas e aceleradas pelo advento da internet e as tecnologias que a partir dela foram ganhando investimentos, poderes e capilaridade. O território é o da ficção, mas, ao apresentar conjunturas e narrativas que flertam em maior ou menor escala com a realidade atual – ou a de um futuro próximo -, as histórias chamaram a atenção de uma indústria altamente competitiva. 

Black Mirror começou sendo transmitida na Inglaterra pelo Channel Four. A primeira e a segunda temporadas receberam críticas favoráveis e ela faturou, em 2012, o prêmio de Melhor Filme/Minissérie da TV no International Emmy Awards, específico para séries de televisão produzidas e exibidas inicialmente fora dos Estados Unidos. A Netflix comprou os direitos de transmissão e encomendou uma terceira temporada de 12 episódios, que acabou se desdobrando também na quarta - cada uma com seis histórias. A partir dessa visibilidade ampliada pela Netflix, Black Mirror se tornou símbolo da cultura pop e fenômeno mundial.

O criador da série, Charlie Brooker, é autor de vários episódios e, ao comentar que cada um tem seu próprio elenco, cenários e situações diferentes, fez a ressalva: “mas são todos sobre a forma como vivemos atualmente e a forma como poderemos viver daqui a dez minutos, se não tivermos cuidado”.  O risco de a tecnologia nos afundar em uma sociedade distópica é a advertência que a proposta evidencia. Ao jornal inglês The Guardian, Brooker explicou o porquê do nome da série: “O espelho negro da abertura é o espelho que você encontrará em cada parede, em cada mesa, na palma de cada mão: a tela fria e brilhante de uma TV, de um monitor, de um smartphone".

Um dos episódios entre os vários escritos por Brooker – “San Junipero” –, ganhou dois  Emmy em 2017, nas categorias “Melhor Filme Feito para Televisão” e ‘Melhor Roteiro em Minissérie”. Na cerimônia de entrega do prêmio, o criador de Black Mirror fez um discurso de agradecimento potente, no qual afirmou que fatos observados naquele mesmo ano, como o neonazismo recuperando força, estavam tornando o mundo parecido com um cenário da sua série. “San Junipero foi uma história sobre amor, e o amor vai vencer o ódio”, disse, num resumo excelente da mensagem daquele episódio ali sendo premiado. “Se talvez todas as pessoas neste auditório começassem a fisicamente fazer amor uns com os outros ou com vocês mesmos, este mundo seria um lugar melhor”, completou.  

Inquietação é o saldo de assistir Black Mirror, sem qualquer disfarce – a ideia é exatamente essa. Valeu a pena para mim e para meio mundo. Dito isso, acho honesto assumir que dois dos três episódios da primeira temporada me perturbaram em demasia, pelo nível de sordidez da espécie humana colocado cruamente sob holofotes – “Hino Nacional” e “Quinze milhões de méritos”. Nunca os revi, o que fiz com todos os demais. Como cada roteiro é independente, essa característica provavelmente contribuiu para Black Mirror chegar a tal patamar de sucesso, já que é possível assistir em qualquer ordem e até pular uma ou mais histórias cuja sinopse não agrade.

A quinta temporada estreou em junho de 2019, com três novos episódios, um deles gravado em São Paulo – Striking vipers, o nome de um fictício jogo eletrônico –, com direito a cenas em um dos marcos arquitetônicos da maior cidade do Brasil: o Edifício Copan. 

 

Não é dos mais sombrios enredos, mas sem dúvida está entre os mais surpreendentes. Black Mirror tem tanto compromisso com a modernidade – não em sua melhor vertente, para deixar claro, de novo – que a série rendeu um longametragem interativo, em 2018, disponível também na Netflix: Bandersnatch. Quem assiste pode ir encaminhando a história, segundo algumas alternativas que vão sendo colocadas à sua escolha.  Como espectadora, não me seduziu, mas respeito a ousadia do projeto. 

A segunda série enfocada aqui é The Twilight Zone. Exibida no Brasil nos anos 70 com o nome de “Além da imaginação”, ela tem a mesma mistura de futurismo, suspense e fantasia que Black Mirror. Nessa "Zona do Crepúsculo" (traduzindo) em que o expectador adentra pela porta de uma outra dimensão, tudo, literalmente tudo, pode acontecer.  A similaridade de propostas entre a segunda série e a primeira já foi admitida em comunicados e entrevistas pela produtora de Black Mirror, a Endemol, gigante do entretenimento dona de formatos e marcas como o Big Brother e o MasterChef.

The Twilight Zone foi criada por Rod Serling e produzida por cinco temporadas na rede americana CBS, de 1959 a 1964. Como em Black Mirror, são histórias isoladas entre si e surpreendentes, com abordagem também no terreno da distopia. Mas, se no fenômeno da cultura pop mais recente, as morais das histórias ficam por conta do discernimento de cada expectador, em Twilight essa mensagem é mais evidente, provocada pelos vários apresentadores que a série teve. Na versão original, quem cumpria esse papel era o próprio criador, Rod Serling. Ele ganhou dois prêmios Emmy, em 1960 e em 61, por sua performance como produtor executivo e autor ou coautor de 92 dos 156 episódios. 

Ao inaugurar um estilo que inspirou várias outras depois dela, The Twilight Zone deve ser a série campeã de remakes. O primeiro foi da própria CBS, que assina a produção original, exibida de setembro de 1985 a abril de 1989, com 110 episódios divididos em três temporadas. Apresentou adaptações de clássicos do terror, com destaque para o mestre Stephen King, e refilmagens de episódios do original que fizeram grande sucesso. Mais um remake teve início em 2002, com transmissão da rede UPN, mas foi cancelada após uma temporada, na qual o ator Forest Whitaker assumiu o papel de narrador que outrora era ocupado por Rod Serling.

Em 2019, outro revival – este o disponível na Amazon Prime Vídeo -, lançado pela CBS All Access. Essa nova versão do clássico tem como responsável Jordan Peele, o premiado diretor de “Corra!” e “Nós", que faz também o papel de apresentador. Inicialmente foi encomendada uma temporada de dez episódios, mas na Amazon Prime Video já tem duas, então presumo que o projeto deu boa liga. 

Por fim, deixo a reflexão de Sêneca, filósofo espanhol que foi membro do Senado no Império Romano: “Sofremos mais em nossa imaginação do que na realidade”.

Para maratonar:
Black Mirror – cinco temporadas, total de 22 episódios, disponível na Netflix; 

The Twilight Zone – duas temporadas, total de 20 episódios, disponível na Amazon Prime Vídeo.
 

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