Round 6: quando a necessidade e a ambição colocam em risco a sobrevivência | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

Round 6: quando a necessidade e a ambição colocam em risco a sobrevivência
Série coreana se tornou rapidamente um sucesso mundial por suas peculiaridades
Blogs e Colunas | Levando a Série 08/10/2021 17h30 - Atualizado em 08/10/2021 17h51

A premissa não chega a ser original: um monte de pobres oferecendo um banho de sangue, literalmente, para o entretenimento dos endinheirados. Mas isso de certa forma só aumenta o mérito de Round 6, a produção sul-coreana que desde a estreia, em setembro passado, vem se consolidando como um fenômeno mundial.  A série chegou ao primeiro lugar entre as atrações da Netflix em mais de 80 países e, se contabilizado o top 10, esse número ultrapassa 100.

Num gênero um tanto difícil de definir – fiquemos com “drama de sobrevivência” -, Round 6 mostra um torneio a reunir 456 competidores,  homens e mulheres de várias faixas etárias, mas todos maiores de idade. O que há em comum entre essa turma é a completa falência financeira, a desesperança ao nível do desespero. A maior parte acumula dívidas já no campo do impagável, outros lidam com demandas vitais para entes queridos.  É o caso do protagonista Seong Gi-hun (Lee Jung-jae), um viciado em apostas que botou o dinheiro do plano de saúde da mãe nas patas dos cavalos, e agora ela corre o risco de morrer por complicações oriundas de diabetes. A senhora precisa amputar os pés, mas as cirurgias são de valor inalcançável para ela e para o filho que, como se verá, não é nem de longe uma má pessoa, apesar do resultado catastrófico de seu vício.

Pois, Gi-hun e outros 455 durangos como ele são misteriosamente convidados a participar de um torneio cujo prêmio é bilionário lá no dinheiro da Coréia (o Won), e milionário na moeda que por aqui conhecemos melhor - a maioria dos brasileiros só de ouvir falar dela no noticiário: o dólar.  Em suma, fica lá em cima no teto, à vista de todos, uma bola transparente repleta de grana em espécie, um montante capaz de encher o bolso do(a) vencedor(a) para o resto da vida. Mas ao tentar ganhá-lo é exatamente esse bem, o mais precioso – a vida –, que os participantes colocam em risco.

Bem, voltemos rapidinho à impressão “eu já vi isso antes”: os quatro filmes da saga "Jogos Vorazes" (Hunger Games), protagonizada pela gloriosa Jennifer Lawrence, que parece ter literalmente encarnado a personagem Katniss Everdeen, colocam adolescentes a partir de 12 anos para lutar até a morte.  Só pode sobrar um. As arenas onde rola o sangue desses inocentes são um primor de tecnologia, tudo isso para entreter a elite da Capital da fictícia nação de Panem.  Os filmes "Jogos Vorazes" – e melhor ainda, os livros – marcam pela precisão e crueza com que operam sobre essa circunstância. Da mesma forma, em Round 6, fica claro logo no início que há poderosos financiadores do “entretenimento”, cujas atividades também transcorrem numa estrutura especialmente preparada para elas – no caso da série coreana, construída em uma ilha. Porém, retirada essa semelhança na abordagem “ricos se divertindo com o sangue derramado por pobres”, a série coreana é de fato inovadora.

Para começar, vamos ao óbvio, temos a oportunidade de conhecer um pouco a língua daquele país asiático, 500% diferente das de origem latina, como o Português. Mas o que a mim chamou muita atenção foi a estética da série, muito gráfica, colorida, com elementos singulares a exemplo da escadaria que, imediatamente, associei à obra do holandês M. C. Escher, que amo de paixão.

Os guardas e demais funcionários das instalações usam um macacão rosa-choque, cor estranha em gente armada de metralhadoras matando outras pessoas na maior tranquilidade. As hierarquias são determinadas por figuras geométricas gravadas nas máscaras que escondem totalmente seus rostos – círculo para os trabalhadores de menor estirpe; triângulos para os soldados e quadrados para os gerentes ou supervisores.

Os competidores, ou cobaias, vestem o verde que fica exatamente em oposição ao rosa-choque no círculo cromático, uma ferramenta para selecionar cores.  Em seus uniformes trazem expostos os números pelos quais são identificados e excluídos do jogo. Chamar alguém pelo nome decorre de um processo de aproximação, por afinidade ou por interesse em alianças.

Assim conhecemos também os demais protagonistas: o amigo de infância de Gi-hun, Cho Sang-woo (Park Hae-soo), estelionatário que detonou até a casa da própria mãe; a norte-coreana Kang Sae-byeok (Jung Ho-yeon), que conseguiu fugir do país vizinho junto com o irmão mais novo e precisa de muita grana para comprar a fuga da mãe; o idoso Oh Il-Nam (Oh Young-Soo), que traz o número 001 no jogo, sendo, supostamente, o primeiro incauto convidado à participar da barbárie.

Ao chegarem, os competidores assinam um contrato abrindo mão de sua integridade física, mas não me lembro de estar exposto que eles teriam total chance de levar uma saraivada de balas. Aí, entra outro ponto determinante para catapultar Round 6 ao estrelato rapidamente: as seis provas são concebidas com base em brincadeiras infantis clássicas na Coreia. A primeira delas fez parte da minha feliz infância com frequência – "Luz Vermelha, Luz Verde" – que a gente conhece no Brasil como “Batatinha frita 1, 2, 3”. Essa cena é sinistra, com uma boneca gigante fiscalizando se alguém se mexeu depois de ela se virar para a corrida dos competidores.

O criador e diretor de Round 6, o coreano Hwang Dong-hyuk, foi acusado de plágio pelo também diretor, este japonês, Takashi Miike, cujo filme "As The Gods Will" (Como os deuses querem), de 2014, foi baseado em mangás japoneses.  No longa também há uma competição mortal, em que agora um boneco verifica quem se mexe no momento errado. Confira na foto abaixo a óbvia semelhança nos contextos.

O diretor de Round 6 apresentou sua versão em uma entrevista coletiva, na qual ponderou que apenas a primeira prova do filme tem semelhança com a de seu show. Disse ainda que o roteiro foi escrito em 2008, ocasião em que Hwang Dong-hyuk estava muito endividado. Após a conclusão do script em 2009, questionou-se: “Se houvesse um jogo como este, eu teria participado dele?”. 

A boa sacada de conceber as provas da competição baseadas em brincadeiras infantis clássicas na Coreia e gerou uma singularidade no Brasil. O nome original da série é "Ojingeo Geim", que significa "Jogo de Lula", uma dessas brincadeiras, aliás um tanto violenta, pois as crianças ou adolescentes entram em embate corporal. O "Jogo de Lula" foi corretamente traduzido para a versão em inglês como “Squid Game”; em espanhol, como “El Juego de Calamar” ; em francês, “Le jeu du Calmar”, e por aí vai. Obviamente que tal fato não passou despercebido pelos brasileiros, que assistem a série com o título de Round 6.

Ninguém sabe ao certo porque em todos os países se respeitou o nome original da história, mas uma das teorias prega que mantê-lo, com a coincidência de trazer o apelido do ex-presidente e agora presidenciável líder nas pesquisas, ensejaria uma avalanche de memes que, talvez, obscurecesse a própria série. Não há qualquer confirmação sobre isso, mas faz sentido.

Round 6 definitivamente não é para crianças e isso está claro lá na classificação etária da Netflix – 16 anos. A série tem muita violência mesmo. O problema é que muitos pais não dão a mínima para conferir o que os filhos andam assistindo e depois jogam a culpa no exibidor. A preocupação com o conteúdo ensejou alertas como o feito pela presidente da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj), Kátia Telles Nogueira, integrante da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP): “Os pais precisam estar mais próximos à realidade dos filhos. Muitos não têm ideia do conteúdo das séries e jogos que as crianças estão consumindo”.

Por fim, deixo à reflexão uma advertência do ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln, em geral bem quisto e lembrado: “Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder.”

Para maratonar:

Round 6 – nove episódios, disponível completa na Netflix.

 

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