Um mundo repleto de amor, tolerância e diferenças encaradas sob tais parâmetros | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

Um mundo repleto de amor, tolerância e diferenças encaradas sob tais parâmetros
Esse é o ambiente de “Família Moderna” e de “Somos Nós”, duas séries de enredos ainda utópicos
Blogs e Colunas | Levando a Série 26/12/2020 21h30 - Atualizado em 26/12/2020 22h31

Na coluna passada recomendei uma série de nome Modern Love (Amor Moderno). Vai daí me peguei refletindo sobre a conveniência em deixar fluir, imediatamente em seguida, esse meu apreço por modernidade, pela transformação social que prefiro categorizar como “evolução humana”.  A conexão entre as duas séries sugeridas hoje é forte demais e derrubou minha resistência. Fora que me parece cada vez mais precioso o estímulo ao livre pensar, embebida pelo espírito natalino, cujo cerne é abraçar o amor, a misericórdia e a tolerância. São esses os ingredientes que tornam tão ricas em emoção e beleza as duas sugestões de hoje: Modern Family (Família Moderna) e This is Us (Somos Nós). 

Juntando as duas séries, se recolhidas as lágrimas que brotaram aos meus olhos em várias cenas, dava para lavar uma máquina de roupa. Mas longe de reações tristes, nasceram muito mais de trechos marcados por diálogos de coração aberto, não raro mergulhando nas profundezas de sofrimentos há muito guardados.  E em meio às jornadas de autoconhecimento vividas por personagens dessas séries - com fartura de sensibilidade e coragem -, a gente também pode aprender muita coisa.

Dito isso, vamos a mais uma modernidade já expressa no título – Modern Family, série cuja aclamação fez jus a estar disponível em pelo menos três serviços de streaming, todos os que assino: Netflix, Globoplay e Amazon Prime Video. Na definição da rede norteamericana ABC, que a produz, a história gira em torno de “uma grande (heterossexual, gay, multicultural, tradicional) família feliz”. Síntese perfeita.

O patriarca Jay Pritchett (Ed O'Neill), empresário bem sucedido, é o menos moderno, digamos assim. Entretanto, depois de se divorciar da primeira esposa, com quem teve dois filhos, não experimentou qualquer dilema em embarcar num outro casamento, desta vez com uma mulher da idade de sua primogênita, Claire (Julie Bowen). Zero problema para mim, mas convenhamos que ilustra a moral elástica vigente no mundo real, de aceitação menos provável no caso inverso. A esposa de Jay é a colombiana Gloria Delgado, papel perfeito para a atriz Sofia Vergara, de igual nacionalidade e, a princípio, cumprindo o perfil estereotipado da mulher latina, a unir “sangue quente” e altíssimo teor de sensualidade. Mas em Modern Family, cuja narrativa trabalha julgamentos os destruindo com sabedoria e leveza, a esposa aparentemente clichê de Jay tem discurso, escolhas próprias e ai do marido se a menosprezar. O casal vive um amor sincero e Gloria nunca pestanejou, por exemplo, em situar o filho de seu primeiro casamento, Manny Delgado (Rico Rodriguez), no pacote que Jay assumiria, se a quisesse ao lado dele. 

Em resumo, o patriarca Jay e sua prole – Claire e o caçula Mitchell (Jesse Tyler), homossexual desde sempre – formam a tríade de relações familiares que se entrelaçam e sustentam o enredo da série. Um núcleo inclui Jay, Gloria e Manny. Outro agrega Claire, o marido Phil Dunphy (Ty Burrell) e os três filhos do casal, Haley, Alex e Luke, cujas personalidades díspares ao extremo rendem muitos desafios e diversão. E, completando o quadro, Mitchell e seu amor Cameron Tucker (Eric Stonestreet). Destaque-se que homoafetividade é um aspecto de abordagem evolutiva em Modern Family, mas o respeito devido a uma causa legítima não se enquadra em uma “bandeira”, entra na salada humana a levantar várias outras questões. A filha Claire, por exemplo, se aborrece com o pai rotineiramente, cobrando reconhecimento dele aos potenciais dela.

O episódio piloto de Modern Family estreou nos EUA no final de setembro de 2009. O sucesso de crítica e público foi tamanho que, poucos dias depois, já se confirmava a produção da primeira temporada. Passados dez anos, em setembro de 2019, foi lançada a 11ª e última. Nesse meio tempo, a história dos Pritchett amealhou uma montanha de prêmios, foram 119 vitórias entre 383 indicações. Só de Emmy na categoria “Melhor Comédia”, ganhou por cinco anos sucessivos – de 2010 a 2014. E ainda foi citado em entrevista por ninguém menos que Michelle Obama como seu “programa de TV favorito”. Posso afirmar que sempre me valeu a pena a soma de entretenimento e reflexões proveitosas.  Nunca terminei qualquer episódio sem vislumbrar um mundo próximo da minha visão esperançosa, por ora utópica. Não é pouco.

A série foi criada por Christopher Lloyd e Steven Levitan, roteiristas e produtores de Frasier - cuja primeira temporada amei, mas não consegui ir adiante porque não há disponível por aqui. Mas vale citar a associação entre ambas feita pelo crítico Robert Bianco, do USA Today, sobre Modern Family: “desde Frasier não tem uma sitcom oferecendo tal mistura ideal de coração e inteligência". 

Seis anos depois dessa análise, era lançada a outra sugestão de hoje, que igualmente pode ser classificada como uma “mistura ideal de coração e inteligência”: This is us (Somos nós), disponível na Amazon Prime Video. A série conta a história de três gerações dos Pearson que, logo nos primeiros episódios, me evocou aquelas famílias dos antigos anúncios de margarina, um mundo cor-de-rosa em que só faltam unicórnios saltando em volta da mesa. Ledo engano, a impressão durou pouco: entre alegrias e amor recíproco, acontecem os tais “percalços da vida”. E no trato dos personagens com eles, o público testemunha átimos de intensa sabedoria exposta em diálogos e, a partir deles, insights com grande potencial de utilização no nosso próprio caminho.  Em termos gerais, tudo começa quando o jovem casal Jack e Rebecca se vê grávido e de trigêmeos, um susto danado. E, como fica evidente no material de divulgação da série, um deles é negro. Você terá de conferir as circunstâncias que levam a esse fato surpreendente. 

 

A saga da família Pearson se diferencia da Pritchett anterior no encaminhamento ficcional. Enquanto nos dez anos de exibição de Modern Family, a audiência literalmente observou os(as) personagens crianças crescendo, os(as) jovens se tornando adultos e o resto envelhecendo, em This is Us apenas Jack e Rebecca continuam interpretados pelos mesmos atores. O casal de protagonistas Milo Ventimiglia e Mandy Moore, donos de sólidas carreiras – ela também como cantora –, dá um show. Impossível não se comover com tamanho amor, com um relacionamento cujas dificuldades são resolvidas no diálogo e na confiança, de modo a fomentar catarses – outra vez, muito úteis a quem se permite conectá-las às respectivas experiências no mundo real. 

This is Us passeia não linearmente por três fases dessa vida familiar, nas quais os trigêmeos Kevin, Kate e Randall aparecem na infância, como adolescentes e já adultos. A capacidade do elenco infantil em encarnar o trio aos oito anos – Parker Bates, Mackenzie Hancsicsak e Lonnie Chavis – é impressionante, talento de gente grande. Aos 15, a bola de Kevin passa para Logan Schroyer, bem parecido inclusive com o personagem adulto, linderésimo, aos 36 na pele do ator Justin Hartley. 

 

A irmã Kate é Hannah Zayle, aos 15, idade em que se inicia mais claramente a luta da personagem com a balança. Aos 36 anos, a trigêmea está a cargo da atriz Chrissy Metz, que já assumiu viver semelhante batalha contra o ganho de peso. Nada que a impedisse de encantar no Oscar deste ano, defendendo a música “I’m Standing With You”, indicada ao prêmio de "Melhor Canção Original". Aliás, a carreira de cantora de Chrissy Metz revela outra identificação da atriz com Kate Pearson, cujo sonho profissional é exatamente esse. 

Por fim, chegamos ao trigêmeo Randall, interpretado aos 15 anos por Niles Fitch e, aos 36, por Sterling K. Brown, ator de filmografia extensa e participação em várias outras séries. Sobre esse personagem, sua divisão interna entre o amor e a gratidão que nutre pelos pais, Jack e Rebecca, e o desejo de se aproximar das próprias origens confere mais uma feição grandiosa a This is Us

O criador e produtor da série, Dan Fogelman, antecipou em entrevista que a quinta temporada – ainda não disponível por completo no Brasil – iria abordar temas como a pandemia do novo coronavírus e o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). “Uma decisão consciente”, resumiu. Apoiado. 

Agradeço a você que chegou até aqui, no maior texto já produzido para esta coluna, mas qualquer abordagem mais resumida arriscaria apequenar as sugestões. Fora que comentar duas sagas sem elaborar outra ficou impraticável. 

Despeço-me com as sábias palavras do literato alemão Johann Wolfgang von Goethe: “Só temos certezas enquanto sabemos pouco; com o conhecimento, as dúvidas aumentam”.

Para maratonar
Modern Family – dez temporadas, 232 episódios, disponível na Netflix, na Globoplay e na Amazon;

This is Us – quatro temporadas, 72 episódios, disponível na Amazon. 
 

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