84 anos da morte de Lampião: cangaceiro é ícone eternizado da cultura nordestina
Para pesquisadores, existe uma representação estereotipada do nordestino Cotidiano | Por Ana Luísa Andrade 28/07/2022 13h00Neste mesmo dia, há 84 anos, morria em terras sergipanas o pernambucano Virgulino Ferreira da Silva, popularmente conhecido e eternizado como Lampião. Ele, a companheira Maria Bonita e demais membros do seu bando foram mortos durante emboscada policial na fazenda Angicos.
Uma figura ambígua e controversa, sendo herói para alguns e vilão para outros, é inegável que o cangaceiro se tornou o maior símbolo do movimento e um dos ícones mais relevantes do imaginário criado em torno da cultura nordestina.
De “Bacurau” a Juliette, até hoje os elementos do cangaço, como o chapéu de cangaceiro, são utilizados para remeter à região.
A jornalista e escritora Vera Ferreira, neta de Lampião e Maria Bonita, dedicou boa parte de sua vida a pesquisar sobre o movimento do cangaço, sendo autora de uma série de livros contando a história e homenageando a memória de seus avós.
Para ela, é fundamental entender o contexto sociopolítico e econômico em que se deu o surgimento do cangaço, durante a seca de 1877-1879: um momento em que se sabia muito pouco sobre o sertão e quando as famílias sertanejas viviam sob manobras políticas dos 'coronéis, não tendo figuras de autoridade a quem recorrer.
“Eu costumo dizer que o cangaço eram homens que diziam ‘não’ à situação. Era uma época que não tinha autoridades [...] Como eles não tinham a quem recorrer em relação à justiça, naquela época, o único caminho que eles viam eram as armas, era formar grupos”, disse Vera em entrevista à TV Picos em 2019.
Para além de todas as polêmicas e controvérsias que permeiam a imagem do cangaço, pesquisadores da história e cultura do Nordeste apontam que o movimento não representa, de fato, a cultura nordestina, que não deve ser reduzida a isso.
“O cangaço e o cangaceiro fazem parte das mitologias que sustentam o discurso da identidade regional nordestina, e, como toda mitologia, têm muito pouco a ver com a realidade histórica do que foi esse fenômeno e foram esses personagens”, escreveu o historiador Durval Muniz, autor da obra “A invenção do Nordeste”, em sua coluna no jornal Diário do Nordeste.
Em entrevista ao F5 News, o pesquisador Vinícius Oliveira Rocha esclarece como se deu a formação desse imaginário em torno do Nordeste. Segundo ele, naquela época, quando a região ainda fazia parte do Norte, existia uma oposição entre Norte e Sul, além de um distanciamento não somente geográfico, mas também comunicacional.
“O primeiro momento em que existe esse contato entre o Norte e o Sul é justamente quando acontece uma grande seca nas províncias da época, no final do século XIX. Jornais do Sul vão para a região Norte para fazer a cobertura dessa situação, então as primeiras imagens que chegam para a população do Sul e do Sudeste são essas imagens da seca, de crianças esfomeadas, de crianças em situação de miséria. A partir daí, se constrói esse imaginário de que o Nordeste é a região da seca, da fome, da miséria, da pobreza”, detalha o pesquisador.
Vinícius explica que, após esse momento, são iniciados movimentos por parte de grupos distintos da região para construir seu próprio imaginário “do verdadeiro Nordeste”. Assim, a figura do cangaceiro, tendo Lampião como principal representante, passa a ser muito utilizada para representar a região, por meio das vestimentas, como o icônico chapéu de cangaceiro, e também do discurso, aponta o pesquisador.
“É sempre muito perigoso adotar esses tipos de mitos. Não pelo que eles foram, mas porque não dá para reduzir uma região inteira, de nove estados, centenas de cidades e quase 60 milhões de habitantes a um único estereótipo, seja o cangaço, seja a pobreza, a seca, os coronéis, o fanatismo religioso”, considera Vinícius Oliveira.
O pesquisador reitera que esses estereótipos, muitas vezes reproduzidos pelos próprios nordestinos, são “muito vagos para representar uma região que é tão plural”. Apesar de estarem direta e inevitavelmente ligados a questões históricas, culturais e geográficas, ele considera que não é correto se apropriar dessas representações para tratar de uma região como um todo.