Abolição da Escravatura: as províncias brasileiras que se anteciparam à Lei Áurea | F5 News - Sergipe Atualizado

Olhos na História
Abolição da Escravatura: as províncias brasileiras que se anteciparam à Lei Áurea
De um jangadeiro a um governador, as vozes abolicionistas ecoavam por todo o Império
Cotidiano | Por Monica Pinto 14/05/2022 14h30


Como exposto na reportagem que abre essa série – Abolição da Escravatura e princesa Isabel: qual foi mesmo a participação dela? -, a Lei Feijó, de 1831 e regulamentada no ano seguinte, proibia o tráfico negreiro e tornava livres os africanos trazidos ao Brasil após a sua vigência. Nunca cumprida, ganhou a alcunha de “lei para inglês ver”, já que seu principal objetivo era amainar a pressão da Inglaterra sobre o imperador Dom Pedro II pela abolição da escravatura. 

Em 1845, o parlamento inglês toma uma medida extrema: aprova a chamada Lei Bill Aberdeen, nome do então ministro das Relações Exteriores do Governo britânico, que concedia à esquadra daquele país poderes para deter navios negreiros em águas territoriais brasileiras, e para julgar seus comandantes. A “importação” de escravizados passava a ser tratada como pirataria.

A lei dos ingleses foi encarada no Brasil como uma represália e gerou protestos das autoridades políticas, que viam nela um acinte à soberania nacional. Porém, falou mais alto a dependência econômica em relação à Inglaterra e o país sucumbiu à imposição britânica, embalado também pelo crescente repúdio internacional ao tráfico. Em pouco tempo, minguou a lucratividade do comércio de africanos escravizados, o que favoreceu o surgimento de outras leis abolicionistas.

Em 1850, entra em cena o ministro da Justiça Eusébio de Queirós. Naquele ano, ele propôs a lei que passou à História com o nome dele e cujo objetivo era – de novo – reprimir o tráfico internacional de escravizados. Num paradoxo, Queirós fora chefe de polícia no Rio de Janeiro, nas décadas de 1830 e 1840, apontado como um dos responsáveis pelo fracasso da Lei Feijó – a lei “para inglês ver” –, ao deixar fluir livremente, na prática, a “importação” via navios negreiros, em tese proibida.

Em 1850, o quadro foi o oposto da tolerância que ridicularizou a tentativa anterior. Dessa vez, o litoral e os portos brasileiros eram monitorados sistematicamente, assim como o comércio de escravizados entre províncias, de modo a impedir que “ilegais” fossem transferidos de uma à outra. Os traficantes internacionais agora operavam no mercado interno, deslocando mão de obra escravizada do litoral nordestino, onde a produção de cana-de-açúcar enfrentava decadência, para o sudeste em expansão cafeeira.

No ano de 1854 era aprovada a Lei Nabuco de Araújo – nome do então ministro da Justiça -, prevendo sanções para as autoridades que encobrissem o contrabando de escravizados.  Em 1856, se registrou a última apreensão de um navio negreiro no Brasil.

A escravidão sofreria mais um revés em 28 de setembro de 1871, com a Lei do Ventre Livre, decretada pelo parlamento e sancionada pela “Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador e Senhor D. Pedro II”. Em seu artigo 1º estabelece: “Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre”.

Na prática, porém, essa suposta liberdade dependia da vontade do “dono”, ao estabelecer: “Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos.  Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos.  No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei”.

As províncias pioneiras

Os proprietários de terras e de mão-de-obra escravizada viam agora o envelhecimento dos braços que exploravam e, apesar de ainda durar mais 17 anos, a escravidão no Brasil ia perdendo as forças, literalmente. Uma prova disso foi a decisão, em 1884, de dois estados brasileiros, em a abolir dos seus territórios, antecipando-se em quatro anos à Lei Áurea. O Ceará foi a primeira província a tomar essa medida legalmente, no dia 25 de março de 1884.

Teve papel decisivo nessa construção um jangadeiro conhecido como Dragão do Mar. Nascido Francisco José do Nascimento, ele convenceu os colegas a se recusarem a fazer o transporte, para os navios negreiros, dos escravizados que seriam vendidos no sul e no sudeste do Brasil, no ano de 1881. Uma chicotada – para usar um termo caro aos escravocratas – sobre o comércio interprovincial.

Com o porto de Fortaleza fechado a essa transação, o Movimento Abolicionista local ganhou poder e apoio, resultando no ineditismo nacional em libertar os africanos cativos em seu território, medida que passou a ser lembrada como a “Data Magna do Ceará” – 25 de março de 1884.

A província do Amazonas seguiu o exemplo cearense pouco depois, em 10 de julho de 1884. A abolição da escravatura, assinada pelo governador Theodoreto Souto, repercutia os anseios de abolicionistas do norte brasileiro, mas sobretudo das comunidades quilombolas localizadas às margens do rio Andirá.

No Sul do país, há registro de abolição isolada em duas cidades gaúchas – Porto Alegre, capital da província, e Pelotas -, ambas também em 1884.

Em todo o país, no ano seguinte, 1885, era promulgada a Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe, concedendo liberdade aos escravizados com idade igual ou superior a 65 anos. Os que estivessem na faixa de 60 a menos de 65 anos, deveriam passar mais um período a serviço dos respectivos “senhores”, como uma indenização.

A Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, sucumbiu ao clamor do movimento abolicionista que se espraiara com força por todo o Império, já com menor resistência dos grandes proprietários de terras, cuja mão de obra escravizada ia se tornando cada vez mais dispendiosa. Paulatinamente, foi sendo substituída pela massa de imigrantes europeus que chegava ao país – estes pela própria vontade.

Encerrava-se uma chaga humanitária que durou exatos 353 anos no Brasil, iniciada em 1535, quando chegou a Salvador o primeiro navio trazendo africanos escravizados.

Amanhã (15), você confere a polêmica decisão de Ruy Barbosa, à época ministro da Fazenda, e como ela apagou o passado dos africanos trazidos à força ao Brasil. Conheça também uma aguerrida e pioneira voz negra no Senado Federal e casos de racismo muito atuais no Brasil.

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