Manguezal é ameaçado por poluição e degradação na Coroa do Meio, em Aracaju
Bombeiros passaram mal ao ter contato com a lama durante operação do acidente aéreo Cotidiano | Por Laís de Melo 17/05/2021 07h00O acidente aéreo registrado no dia 6 de maio no bairro Coroa do Meio, em Aracaju (SE), revelou um problema sério, mas aparentemente ignorado: a degradação ambiental do ecossistema de manguezal naquela região.
Enquanto realizavam a operação de resgate do corpo do piloto e dos destroços da aeronave, os militares do Corpo de Bombeiros passaram mal e tiveram reações após ter contato com a lama do mangue; alguns precisaram até de suporte do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). De acordo com a diretora de Operação do Corpo de Bombeiros, tenente coronel Maria Souza, além de estarem expostos ao combustível da aeronave, o mangue apresentou alta temperatura e componentes químicos e orgânicos.
“Mesmo com os equipamentos utilizados na ocorrência, os militares tiveram alguns transtornos respiratórios e precisaram ter esse suporte, bem como também tiveram queimaduras até de nível de segundo grau, em decorrência do combustível e material químico e orgânico do local. Os militares estão bem, mas continuam sendo acompanhados por médicos”, relata a diretora.
As cenas flagradas pela equipe de reportagem do F5 News, que cobria a Força Tarefa após a queda do avião no local, deixaram nítido que havia algo tóxico. O problema é que não se tratava simplesmente de lama de mangue, mas um material que conta também com a presença de resíduos biológicos do esgoto doméstico das residências do entorno, e de componentes químicos, como metais pesados, do esgoto industrial, segundo aponta a professora titular aposentada da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Myrna Landim, que pesquisa manguezais.
Essa é uma das principais causas de degradação não só do bairro Coroa do Meio, mas de todas as áreas de manguezais de Sergipe.
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“Desde o início da ocupação de nosso litoral, os manguezais em Sergipe vêm, infelizmente, perdendo espaço. Eles têm sido completamente destruídos e ocupados por tanques de carcinocultura, e para a expansão de áreas urbanas, por exemplo, ou parcialmente degradados até chegar ao ponto em que não mais são reconhecidos como áreas naturais e sua ocupação se torna justificada”, explica a pesquisadora ao F5 News.
Segundo Landim, ações humanas estão ligadas, de maneira direta e indireta, a essa degradação. “Todos os impactos causados em nossos manguezais são frutos da ignorância pelo desconhecimento da importância dos manguezais e/ou da legislação que os protege, da ganância, no caso de pessoas que percebem que ocupar, tornando privadas áreas que são, por natureza, públicas, é uma forma de aumentar seu patrimônio e lucro, e também da incapacidade dos gestores públicos no zoneamento ambiental, ordenação do uso do espaço e seus recursos e fiscalização das agressões ao patrimônio comum, o que inclui o 'meio ambiente ecologicamente equilibrado'”, aponta Landim.
Questionada sobre a importância dos mangues para o ambiente costeiro, a professora foi categórica ao afirmar que “os ambientes naturais e suas espécies têm direito intrínseco à vida”, e por isso a importância deles não deveria se limitar a uma justificativa em função da espécie humana.
“Mas se só percebemos a necessidade de preservar esses ambientes e suas espécies por suas funções e vantagens para nós, posso levantar algumas. Uma delas é o seu papel na proteção da linha de costa contra a erosão. Quem conhece a história recente de Aracaju sabe que, com a decisão de ocupar a Coroa do Meio e a consequente eliminação de grande parte de seus manguezais, quarteirões inteiros foram carreados pelas águas. Sendo um ecossistema na interface entre o ambiente terrestre e o aquático, as raízes de suas árvores atuam na retenção de sedimento, diminuindo a erosão”, explica.
Ainda conforme a pesquisadora, as condições da área de mangue da Coroa do Meio são peculiares no que diz respeito à pesca na região, a começar pelas dificuldades de navegabilidade dos barcos nos períodos de maré baixa. Contudo, este não é o principal problema, segundo Landim, e sim, o fato de que com a diminuição do fluxo de água, ocorre, juntamente com a deposição de sedimento, uma retenção de resíduos biológicos (coliformes fecais) e químicos (metais pesados).
“Isso significa que esses elementos devem estar mais concentrados nessa região, o que implica em uma maior contaminação dos organismos que ali vivem e que representam, muitos deles, alimento para as populações humanas, com risco, consequentemente, para a saúde pública. É comum observar-se a atividade de pesca no rio Poxim (que passa pelo Distrito Industrial de Aracaju e por bairros populosos, onde nem todas as residências contam com serviços de coleta de esgoto), e na região próxima ao Parque dos Cajueiros. É questionável se, mesmo nessas regiões, os organismos (e nosso alimento) encontram-se menos contaminados”, disse a professora.
Em uma pesquisa de dissertação de mestrado realizada por Fernanda Cordeiro de Almeida, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFS, foi possível observar que a relação do "aracajuano com o manguezal é baseada, majoritariamente, na repulsa".
“Em vários locais da cidade o manguezal é enxergado como lixo, tanto em bairros da classe média e alta, como o Jardins (lixo no manguezal do Tramandaí) e a Treze de Julho (21 toneladas depositadas em menos de um ano), como em bairros da classe baixa, como os aterros por lama e lixo realizados no Lamarão. No entanto, observa-se, em menor medida, e de forma pontual, uma atitude protetora, como as manifestações ocorridas, na década de 1990, contra o Projeto Praia Formosa e recentemente, entre 2003 e 2006, o projeto de Urbanização do Assentamento Subnormal da Coroa do Meio”, escreveu.
A pesquisa de Fernanda, intitulada “A História da Devastação dos Manguezais Aracajuanos”, venceu o prêmio Joaquim Nabuco de melhor dissertação de mestrado e se transformou em livro em 2009.
Ainda conforme a professora Landim, os manguezais têm a possibilidade de se recuperar caso a agressão, como o corte de árvores e aterros, cessasse. Mas, para isso, teriam que ser garantidas as condições de manutenção.
“É importante, por exemplo, garantir o acesso dessas áreas à água das marés. Ela traz consigo propágulos, que são “sementes” das espécies de mangue, e leva o excesso de matéria orgânica que, caso se acumule, geraria um ambiente permanentemente anóxico (sem oxigênio), que impediria os processos ecológicos característicos do ecossistema. O mesmo ocorre quando se despeja esgoto sem tratamento, principalmente em áreas com diminuição do fluxo das marés, como é o caso em grande parte dos manguezais da região da Coroa do Meio”, pondera.