“Existimos e resistimos”, diz o delegado Mário Leony em especial sobre Orgulho LGBTQIA+ | F5 News - Sergipe Atualizado

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“Existimos e resistimos”, diz o delegado Mário Leony em especial sobre Orgulho LGBTQIA+
Desde 2010, ele integra um grupo que combate a LGBTfobia na polícia
Cotidiano | Por Will Rodriguez e Laís de Melo 28/06/2021 06h00


Delegado da Polícia Civil de Sergipe há mais de duas décadas, Mário Leony se notabilizou como um expoente no enfrentamento ao preconceito e à discriminação dentro e fora das instituições no Estado. Por muito tempo, teve medo que a sua orientação sexual não fosse vista com bons olhos pelos colegas de corporação, mas em 2007 revelou publicamente a sua sexualidade, durante um seminário no Rio de Janeiro.

Leony é um dos oito personagens do especial ‘Falas de Orgulho’, que será exibido em rede nacional pela TV Globo, nesta segunda-feira, 28 de junho, data em que se celebra o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, às 22h30.

‘É uma gratidão e orgulho poder participar de um projeto muito lindo como é o Falas de Orgulho, que vai ao ar no dia do LGBTQIA+, um marco histórico para a nossa sociedade, porque foi um despertar para a importância da luta coletiva. E para mim, especialmente, é uma data muito emblemática porque foi quando a comunidade LBGT novaiorquina se insurgiu contra a truculência da polícia a partir das prisões arbitrárias, muita opressão que havia naquele momento. Então, foi um grito de basta, de liberdade. Isso é muito emblemático para mim porque eu busco ressignificar minha atuação profissional a partir da minha militância em direitos humanos”, disse Mário Leony em entrevista ao F5News.

Natural de Salvador (BA), Mário Leony recebeu o título de cidadania aracajuana em 2012. Atualmente, ocupa um cargo no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). “A mensagem que deixo no programa é que nós existimos e resistimos. Nós podemos e devemos ocupar quaisquer espaços na sociedade, de acordo com nossos anseios, talentos e valores. E que nossas famílias devem ser reconhecidas e respeitadas”, ressaltou o delegado. 

Aos 46 anos, Mário se prepara para ser pai. Junto com o seu marido, Sérgio Fernandes, com quem oficializou a união em 2015, aguarda sua vez na fila de adoção. “O ano em que eu declarei minha homossexualidade, foi o mesmo ano que eu conheci Serginho”, lembra o delegado, que em 2010, tornou-se cofundador da Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBT, rede criada com o objetivo de combater o preconceito nos órgãos de segurança pública e garantir a liberdade de orientação sexual e de identidade de gênero.

Não são poucas as conquistas recentes de reconhecimento dos direitos dessa população no Brasil, mas na ótica do delegado sua concretização ainda requer verdadeira compreensão e empenho por parte de toda a sociedade. Confira trechos da entrevista concedida à Globo.

Como foi a sua infância e quando passou a se entender LGBT?

Eu nasci em Salvador e por lá estudei em colégios religiosos, fui catequizado e fiz primeira comunhão. Eu era um menino muito franzino e andrógeno. Tenho a recordação de as pessoas apontarem pra mim e perguntarem “é menino ou menina?” e eu não tinha forças para reagir. Quando a sexualidade começou a aflorar em mim, dos 9 aos 10 anos, ela já era direcionada ao sexo masculino. E eu me sentia muito estranho, achava que não era normal. As relações homoafetivas não eram abertas e o único modelo possível era o heterossexista. Com a formação religiosa, me sentia um pecador. Eu tinha culpa e pedia a Deus para que isso parasse de acontecer.

E como a sua família encarou a sua sexualidade?

Meu pai era muito machista e muito boêmio. Eu tinha uma dificuldade muito grande de acessar esse universo dele. Não me sentia atraído pelos bares, pelas rinhas de galo e estádio de futebol. Sempre houve um abismo entre nós e ele já vislumbrava a minha orientação sexual, mas não aceitava. Já a minha mãe descobriu por conta de um “ato falho”. Nós tínhamos uma relação muito intensa e foi muito difícil quando me deparei com a reação dela. Eu estava na faculdade e esqueci o rascunho de uma carta que escrevi para o meu namorado da época da faculdade. Ela viu esse rascunho e ficou chocada, me disse um monte de desaforos. A minha sorte é que eu já tinha conversado sobre a minha sexualidade com a minha irmã, que conseguiu segurar a onda. Minha mãe passou três dias chorando.

Atualmente você é casado. Vocês têm vontade de ter filhos? Tem algum receio por ser LGBT?

Sim, estamos grávidos! Há três anos fomos habilitados para adoção e estamos nessa expectativa. Eu fico apreensivo com o fato dessa criança vir a sofrer com homofobia. A nossa comunidade ainda tem muito pelo que lutar. Somos um dos países que mais mata LGBTs no mundo. Por outro lado, acho que foi fundamental a comunidade LGBT ter despertado para a luta coletiva e as conquistas que tivemos devem ser celebradas. Eu e Serginho, por exemplo, nos conhecemos em 2007, mas foi só em 2011 que tivemos direito ao casamento – o que é surreal. Esses direitos não caíram do céu, são frutos de muita luta e precisamos celebrar, sim. Mas nunca esquecer que ainda temos muito o que conquistar.

Quanto à sua profissão, chegou a ter medo de expor a sua sexualidade na corporação?

Quando entrei, achava que a academia de polícia não podia saber que eu era gay. Eu precisava controlar meus gestos, me envolvia menos com os meus colegas. A homofobia nos aparta. O momento que foi um divisor de águas foi quando declarei publicamente a minha sexualidade em um seminário no Rio de Janeiro, em 2007. Em um cargo como o meu, essa declaração me trouxe algumas noites perdidas. Mas foi libertador. Mudou a minha relação com o meu trabalho, com a minha família e até mesmo com a imprensa. Tudo mudou para melhor. 

E como você vê o papel da polícia na luta contra a LGBTfobia?

O regimento da polícia de Minas, por exemplo, cita o nosso trabalho como "pedagogos da cidadania". Na RENOSP, somos debruçados em protocolos e em recomendações para abordagens e revistas. Infelizmente, nem todos respeitam. É muito triste quando recebemos relatos de meninos trans da periferia que, quando começam a transição, passam a ter que conviver com hostilidades da polícia, que são seletivas e truculentas. Ainda existe um hermetismo muito grande na corporação, uma dificuldade de ouvir o clamor da sociedade civil organizada. É muito comum os colegas se ressentirem e dizerem que a sociedade não reconhece o nosso trabalho. Mas como é que vão reconhecer se a gente, muitas vezes, é arrogante? Precisamos ressignificar o papel da polícia. Temos que passar a limpo essa imagem truculenta que foi construída na ditadura militar. Os órgãos de segurança pública foram forjados no machismo institucional, no racismo estrutural e na LGBTfobia.
 

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