Cidadãos armados se tornaram preocupação nacional só nos anos 1990 | F5 News - Sergipe Atualizado

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Cidadãos armados se tornaram preocupação nacional só nos anos 1990
Questão volta ao debate nacional com decretos que flexibilizam armas no país
Política | Por F5 News 12/04/2021 11h27


Em 1832, dez anos após a Independência, o senador José Inácio Borges (PE) subiu à tribuna do Senado, então no Rio de Janeiro, para reclamar da violência generalizada no Império e defender o porte de armas de fogo. “Eu não me recolho para minha casa sem estar acompanhado por dois pretos armados”,  afirmou o parlamentar, que pouco depois se tornaria ministro dos Negócios do Império (equivalente hoje a ministro da Justiça).

 Ao longo dos primeiros 500 anos da história nacional, as armas de fogo estiveram sempre à mão dos brasileiros. Foi apenas recentemente, na virada do século 20 para o 21, que o poder público agiu para restringir o acesso às armas.

A questão voltou ao debate nacional no governo Bolsonaro e, a partir desta segunda-feira (12), ganha um novo capítulo com a entrada em vigor de quatro decretos do presidente da República que flexibilizam o acesso a armas e munições no país. “Em 2005, via referendo, o povo decidiu pelo direito às armas e pela legítima defesa”, alegou o presidente em fevereiro deste ano, quando os decretos foram assinados. 

Um dos decretos aumenta de quatro para seis o número máximo de armas que um cidadão pode ter. A possibilidade é aceita desde que a pessoa seja portadora do Certificado de Registro de Arma de Fogo. A quantidade sobe para oito no caso de profissionais da segurança pública, como policiais. Além disso, o governo passou a permitir o porte simultâneo, ou seja, a autorização para uso fora de casa, de duas armas por pessoa. Antes, a quantidade não estava especificada. 

De acordo com o historiador Adilson José de Almeida, pesquisador do Museu do Ipiranga, da Universidade de São Paulo (SP), e autor de uma tese de doutorado sobre o uso das armas no século 19, o poder público incentivou o armamento da população civil tanto nos tempos da Colônia quanto nos do Império. Foi uma política de Estado.

“O Estado não tinha recursos financeiros nem humanos para montar forças que dessem conta da segurança externa e interna do Brasil. Os brasileiros aprendiam a atirar desde pequenos. Embora tentasse, o Estado nem sempre tinha controle sobre essa sociedade armada”, aponta Almeida. 

O historiador explica que o Exército cresceu e se fortaleceu após a Guerra do Paraguai, mas, diante do enraizamento das armas de fogo na sociedade brasileira, não conseguiu levar para si o monopólio da repressão armada.

Nos anos 1980, os índices de criminalidade urbana explodiram no Brasil. Numa frente, a “década perdida” se caracterizou por crises econômicas, hiperinflação, desemprego nas alturas e empobrecimento generalizado da população. Em outra frente, o Brasil entrou na rota internacional do tráfico de drogas — inicialmente como corredor entre os produtores andinos e os mercados do hemisfério norte, depois também como consumidor. Nesse novo e lucrativo negócio, as quadrilhas de narcotraficantes se organizaram, se armaram e iniciaram uma guerra contra quadrilhas rivais e a polícia.

Nessa conturbada década, assaltos e sequestros se tornaram rotineiros. Com a ideia de se protegerem, os brasileiros iniciaram uma corrida às armas. Sem muita burocracia, pistolas e espingardas eram vendidas em lojas de departamentos. Revistas publicavam propaganda de armas. Na sessão de classificados dos jornais, cidadãos anunciavam revólveres de segunda mão.

Na mesma proporção com que as armas se espalharam, as mortes por tiro — assassinatos, suicídios e disparos acidentais — se multiplicaram.

Segundo o sociólogo Antônio Rangel Bandeira, que foi instrutor de armas de fogo no Exército e depois consultor da ONG Viva Rio e do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime, apenas na década de 1990 estudos apontaram que eram principalmente as armas dos cidadãos comuns que acabavam, sem querer, chegando às mãos dos bandidos.

“Sempre víamos a arma de fogo pelo aspecto positivo e não nos ocorria que ela pode se voltar contra nós e nossa família”, resume Rangel, autor do livro Armas Para Quê? (Editora LeYa).

Ao longo dos anos 1990, senadores e deputados analisaram alguns projetos de lei que buscavam restringir o acesso da população às armas, mas a maioria foi engavetada sem debates. As raras que conseguiram ser aprovadas, por sua vez, foram consideradas tímidas.

No fim dessa década, ONGs como o Viva Rio se mobilizaram pela criação de uma lei que, depois de 500 anos de liberação quase total no Brasil, finalmente reduzisse a quantidade de armas de fogo em posse de civis. Rangel foi um dos articulares dessa mobilização. Ele conta que, ao menos no princípio, a maioria dos parlamentares reagiu mal à ideia de criar o Estatuto do Desarmamento.

As ONGs, então, perceberam que o Congresso Nacional só tomaria alguma atitude se fosse pressionado pelos eleitores. Assim, elas se voltaram para a conscientização da sociedade. Nessa estratégia, conseguiram o apoio dos meios de comunicação, que passaram a noticiar os malefícios das armas. A urgência do desarmamento se tornou tema de 'Mulheres Apaixonadas', a novela do horário nobre da Rede Globo em 2003. Na trama, uma das personagens morre após ser baleada na rua por bandidos que fogem da polícia, deixando órfã uma menina pequena.

A estratégia das ONGs de criar um clima nacional favorável funcionou. Ainda em 2003, o Senado e a Câmara discutiram juntos a questão, e o Estatuto do Desarmamento foi aprovado em questão de meses, às vésperas do Natal.

As mortes por arma de fogo caíram consideravelmente. Nos 14 anos anteriores ao Estatuto do Desarmamento, segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os assassinatos por tiro no Brasil subiam 5,5% anualmente. Nos 14 anos seguintes, passaram a subir apenas 0,85% a cada ano. 

A lei também conseguiu achatar a curva do gráfico. A redução das mortes só não foi mais expressiva porque a violência é provocada não apenas pela disponibilidade de armas, mas por uma série de outros fatores, como pobreza, desemprego, escolas de má qualidade, sistema penitenciário deficiente e corrupção policial.

O Instituto Sou da Paz, organização não governamental que atua há 20 anos pela redução da violência no Brasil, critica o momento da decisão, afirmando que a normativa sobre armas em nada contribui para os principais problemas enfrentados pelo país, citando os efeitos adversos da pandemia do novo coronavírus na economia e na perda de vidas.

“O Brasil não necessita de mais armas. O que precisamos é de políticas públicas eficientes e críveis, que possam reduzir os vergonhosos índices de violência que seguem crescendo de Norte a Sul do País”, diz o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

No STF, está prevista para a próxima sexta-feira (16) a votação das medidas que podem suspender os efeitos dos decretos enquanto os ministros julgam as ações que questionam a constitucionalidade das medidas. 

*Com informações da Agência Senado
 

Edição de texto: Monica Pinto
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