A Conexão de Fabiane com o Semiárido Nordestino | Haroldo Araújo Filho | F5 News - Sergipe Atualizado

A Conexão de Fabiane com o Semiárido Nordestino
O imaginário encontro da bisneta do Fabiano com o sertão do século XXI
Blogs e Colunas | Haroldo Araújo Filho 23/08/2023 16h30 - Atualizado em 23/08/2023 16h33

A coluna de hoje adentrará na história fictícia de uma descendente do inesquecível personagem Fabiano do clássico romance “Vidas Secas”, do célebre escritor brasileiro Graciliano Ramos.

Sem sombras de dúvida, Vidas Secas está na prateleira dos livros preferidos dos nordestinos, muito em virtude da abordagem realista do cotidiano de uma família de retirantes sertanejos da década de 1940, composta por: Fabiano, Sinhá Vitória, Menino mais velho, Menino mais novo e a cadela Baleia.

Com a devida vênia a esta magnífica obra literária brasileira, imaginaremos o que ocorreu após a seguinte narrativa final do livro: “E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. (…) O sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos.”

Ao chegar na cidade grande, imaginamos que a família foi morar em um casebre simples da periferia, Fabiano foi trabalhar como ajudante de pedreiro, Sinhá virou lavadeira, já os filhos ora estudavam, ora ajudavam o pai.

O Menino mais Novo, ao se tornar adulto, casou-se, teve filhos e continuou com o ofício urbano do pai, já que desde muito novinho queria ser igual ao pai. Um dos seus filhos, Fabiano Neto, com muito sacrifício, estudou e se formou em Engenharia Civil.

Consequência do seu trabalho árduo e competente, Neto abriu uma pequena empresa, a “Baleia Construtora”, teve uma filha por adoção, a quem pôs o nome de Fabiane, a nossa personagem.

Fabiane, durante a infância adorava ouvir as histórias contadas por seu avô (O Menino mais novo), muitas delas contadas por seu pai (Fabiano), as quais, com muita emoção recontava à sua Neta. Por muitas vezes pareciam ser inventadas, mas em respeito ao seu avô, rapidamente tirava essa desconfiança da mente e se imaginava dentro de cada história contada.

Então, Fabiane decidiu que ela seria o membro da família que voltaria ao Semiárido, cursaria Agronomia no Campus Rural do Sertão, da Universidade Federal de Sergipe, em Nossa Senhora da Glória / Sergipe.

Na véspera da conclusão do curso, sistemicamente e com objetivo de honrar seus ascendentes escreveu a seguinte carta para seus bisavôs Fabiano e Sinhá Vitória e a colocou aos pés do altar da Matriz, pois é lá onde se encontra a comunhão mais sublime com a Igreja triunfante.

“Honrados e queridos bisavôs Fabiano e Sinhá Vitória,

Há alguns anos decidi morar no semiárido nordestino, onde estou prestes a me formar em Engenharia Agronômica.

O atual sertão está muito diferente daquele em que vocês viveram, muito mais próspero e menos hostil para se viver.

Os períodos de seca, como fenômeno natural do semiárido, continuam existindo, mas já é possível conviver graças as diversas tecnologias que amenizam as consequências da seca. Mas ainda, não raro, em períodos mais severos, ainda vemos Mandacurus serem cortados e os seus espinhos queimados, exatamente como vocês faziam.

A situação de vida do sertanejo melhorou muito, para os empregados rurais, existem leis e fiscalização que os protegem da exploração, mas por outro lado, às vezes, há um excesso no rigor, um dia desses vi uma área rural ser autuada porque o banheiro no meio da roça estava construído sem a altura ideal da parede de azulejo e, também, porque as portas não estavam localizadas na posição que o fiscal achava que deveria.

Há ainda desigualdades sociais e fome, mas elas não são mais severas como antes, onde drasticamente os levaram a se alimentar do vosso próprio papagaio para vocês não morrerem de fome e as quais foram também responsáveis pelo êxodo da vossa família e de muitas outras. Atualmente, tenho a convicção que uma família sertaneja só sai do semiárido por decisão própria, não mais por necessidade de sobrevivência. O Sertão tem muitas oportunidades para quem tem vontade de trabalhar.

Mas, infelizmente, algumas coisas continuam como na época de vocês, mesmo que vestida em uma roupagem nova.

A educação, mesmo com avanços significativos, ainda não é a prioridade da sociedade, acho até que propositalmente, afinal, população educada e bem informada não é enganada.

O abastecimento de água ainda é um problema, apesar de hoje vermos nos períodos de escassez caminhões pipas de um lado para o outro transportando água. É inadmissível imaginar o não aproveitamento racional e sustentável do potencial da dádiva divina que é o rio São Francisco, faltam infraestruturas hídricas, muitos dizem que tal situação é apenas para alimentar uma tal famigerada “indústria da seca.”

Os “Coronéis” já não existem mais como antigamente, hoje eles são mais disfarçados, não usam mais chapéu de aba larga, alguns usam até bonés das mais diferentes cores. O que mais me impressiona é que muitos tem discursos em prol dos mais necessitados, só que no fundo querem apenas ser protagonistas das necessidades destes, para mantê-los dentro do seu “curral eleitoral”.

Quanto a mim, acabei de encerrar um excelente estágio na Casa do Fazendeiro, quero trabalhar na extraordinária pecuária leiteira sertaneja e também como instrutura do Senar. Em seguida, vou realizar um sonho da nossa família, que é ter nossa própria terra através do Programa Nacional de Crédito Fundiário.

Por fim, quero trabalhar e constituir família aqui no semiárido nordestino, inclusive já tenho o primeiro membro da família, uma cachorrinha vira-lata que nomeei de Jubarte, em homenagem à Baleia de vocês.

Um beijo de bisneta Fabiane

Desse texto tiramos a seguinte lição: É essencial enxergar e honrar o valor dos nossos ascendentes, também é importante valorizarmos nossa região e não sermos indiferentes à injustiça.

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Engenheiro Agrônomo do Incra/Ministério da Agricultura, formado pela Universidade Federal de Sergipe, pós-graduado em Irrigação (UFS). Secretário de agricultura de Riachão do Dantas (2005-2007); Superintendente regional do Incra em Sergipe ( 2016-2017); Delegado da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário em Sergipe (2017); superintendente do Ministério da Agricultura (2019-2023). Antes de ingressar no serviço público atuou em empresas comerciais do ramo agropecuário.

E-mail: hafaraujo@yahoo.com.br

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