Povoado Santo Antônio do Aracaju: notas para sua História | F5 News - Sergipe Atualizado

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Povoado Santo Antônio do Aracaju: notas para sua História
Historiador Amâncio Cardoso comenta ocupação de Aracaju muito antes de ser capital
Cotidiano | Por Amâncio Cardoso 12/08/2023 18h00


“O próprio arraial de Santo Antônio do Aracaju, de remota fundação, (...),
levava uma vida obscura, muito pouco citado nas crônicas da época”.
(Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE, 1959, p. 218).

Aracaju, capital de Sergipe, tem um evolver histórico relativamente recente; desde março de 1855. Mas o território foi povoado há séculos. Primeiro pelos Tupinambás e depois pelos colonizadores, a partir do século XVI. No entanto, pouco se sabe sobre essa extensa fase, do século XVI ao XIX, quando no território dos povos originários se formou uma povoação. Vejamos, então, algumas notícias sobre a ocupação da área anterior à transferência da capital.

Uma das primeiras informações sobre o território foi registrada em 1587 pelo vereador da Câmara de Salvador e senhor de engenho de açúcar no recôncavo baiano, Gabriel Soares de Souza (1540-1591). Em seu Tratado Descritivo, ele registra que os franceses costumavam entrar na barra do rio Sergipe com suas naus para “acarretar o pau [brasil] que ali resgatavam com os Tupinambás”.(1) Vê-se que a área da barra do rio Sergipe era local de escambo da preciosa madeira entre o povo ancestral do Aracaju e os gauleses.

No século XVII, o topônimo ‘Aracaju’ apareceu nas cartas de sesmarias. Foi nos primeiros anos de colonização do território pelos luso-baianos, que vieram logo após a Guerra de Conquista em 1590, sob o comando de Cristóvão de Barros. Na carta de Pero Gonçalves, de 07 de agosto de 1602, ele pede, e foi atendido, uma ponta de terra no “cabo do rio Aracaju”, que se mete entre “dois apicuns”, para criar gado e viver com sua mulher.(2) O rio Aracaju deu nome à região onde, em 1855, fora assentada a capital. Este ribeiro, em fins do século XIX, “desembocava no rio Sergipe ao lado da fábrica Sergipe Industrial”.(3)

Outra carta de sesmaria, de 03 de setembro de 1603, apresentada por Afonso Pereira, procurador do Conselho da Capitania de Sergipe, afirma que “no Aracaju” havia “igreja e forte”, os quais foram trasladados para um outeiro “sete ou oito anos” antes do ano da petição.(4) Estes equipamentos compunham a primitiva povoação no Aracaju, fundada por Cristóvão de Barros entre 1590 e 1596, denominada São Cristóvão de Sergipe del Rey.

Quase uma década depois, em 1612, outro testemunho também registrou o “forte velho” do conquistador militar de Sergipe no sítio do Aracaju, localizando “as ruínas de um forte que fez Cristóvão de Barros para guarda da barra”. Talvez pela umidade do terreno cercado de apicuns, as madeiras da fortaleza já estivessem em “ruínas” naquele ano.(5)

No século XVIII, em 1761, Frei Jaboatão descreveu a área em que se assentava a povoação do Aracaju. Ouçamo-lo: “Aracaju é uma porção de terra de légua e meia em diâmetro entre o rio Poxim Grande, no Sul, e o Sergipe ao Norte, (...) formando uns Apicuns muito esparcelados, deixa algum terreno livre para as margens do Sergipe, abundantes de Salinas, das quais se provê toda a Capitania, e algumas vizinhas em necessidade”.(6) O sal foi um mineral importante para a povoação do Aracaju, mesmo depois da implantação da capital na área, subsistindo tais salinas até meados do século XX. Prova disso é que até hoje temos o rio do Sal ao norte da capital.(7)

Importante testemunho sobre a presença de salinas no Aracaju antigo é o pároco Marcos Antonio de Souza (1771-1842). Ele escreveu em suas Memórias de 1808 que os moradores “se empregavam em extrair sal marinho, escavando nas praias do Aracaju grandes fossos”. Segundo ele, as salinas do Aracaju abasteciam tanto o mercado de Sergipe quanto o da Bahia.(8)

Na metade do século XIX, em 1851, o proprietário de salinas, Manoel de Deus da Silva, solicitou à Câmara Municipal da vila do Socorro “aforamento do terreno, na barra do Aracaju, em que tem oito salinas”, por compra que fizera a Wenceslau Gomes Lobato.(9) Aforamento é a transferência do domínio útil e perpétuo de um imóvel, mediante pagamento de um foro anual. Vê-se que o investimento em salinas em Aracaju à época era um bem valoroso na economia familiar. No fim do século XIX, por exemplo, um testemunho registrou que às margens do rio do sal “estão estabelecidas as melhores salinas do Estado”.(10)

Outra atividade econômica existente no povoado do Aracaju no início do século XIX é a olaria (pequena fábrica de tijolos e telhas de barro). Em 1806, vivia na povoação o ancião Cristóvão de Mendonça exercendo “o ofício de oleiro na Aldeia do Aracaju junto à foz do Rio Cotinguiba”.(11)

O número de moradores da povoação do Aracaju havia crescido no início do século XIX. Um indício dessa afirmativa é que foram abertos editais de concurso, em 1835 e 1849, para prover o povoação, então distrito da vila de N. Sra. do Socorro, com professores de “primeiras letras”.(12)

André José Cândido da Rocha foi um dos primeiros professores da cadeira de ensino primário do Povoado do Aracaju. Cândido da Rocha aparece numa lista de professores que regem aulas públicas de primeiras letras em Aracaju, com “29 alunos, entre 06 a 14 anos”.(13) Professor Cândido foi substituído por João Ribeiro da Cunha em 1853.(14) No ano seguinte, Ribeiro da Cunha pediu ao governo “aumento de ordenado”.(15) Em regra, os professores de povoados recebiam menos que os de vilas e cidades, daí certamente a insatisfação do docente.

Além de território de reivindicação do magistério, Aracaju também foi palco de revoltas. Entre novembro e dezembro de 1836 ocorreu em Sergipe a Revolta de Santo Amaro, havendo confrontos armados em vários rincões da província, devido a fraudes eleitorais entre o partido do governo e a oposição liberal. Num dos embates, o presidente da província denunciou o ataque ocorrido no povoado do Aracaju, em que um grupo de revoltosos assaltara o destacamento das tropas da legalidade e roubara as “armas das praças [soldados] que ali se achavam.(16) Durante a Revolta de Santo Amaro, o destacamento do “porto de Aracaju” era composto por “60 praças”.(17)

Já em 1845, o povoado do Aracaju mereceu um verbete num importante dicionário geográfico e histórico. A obra foi uma das primeiras a realizar uma descrição geral e circunstanciada do Império. Nela, entre outras coisas, o autor lembra que em 1840 o presidente da província requereu o estabelecimento da alfândega no porto do Aracaju.(18) Houve na verdade uma discussão política, a partir de 1840, para se decidir se a alfândega de Sergipe seria instalada em Laranjeiras, como queria o líder político, então deputado geral e depois presidente da província Sebastião Gaspar de Almeida Boto (1802-1884), representando os comerciantes daquela cidade; ou se seria estabelecida no porto do povoado do Aracaju, como defendeu o então presidente Wenceslau de Oliveira Bello (1787-1852), pelo fato de a barra do Cotinguiba (atual Sergipe) ser “a mais importante e a de maior comércio”.

O objetivo de Wenceslau Bello, ao sugerir a localização da alfândega no povoado do Aracaju, era fazer o “comércio direto” entre Sergipe e outras nações, sem depender do porto da Bahia, e melhorar a fiscalização das “rendas da província”, evitando fraudes e contrabando “em grave prejuízo da Fazenda Pública”.(19) Após “ferrenhas lutas partidárias”, a alfândega saiu do Porto das Redes (próximo à vila de Santo Amaro), em 1843, para a Barra dos Coqueiros, na margem esquerda do Sergipe. Mas em 1846, a alfândega retornou para o Porto das Redes, área de atuação de Sebastião Boto. No entanto, em 1852, o serviço alfandegário voltou para a Barra dos Coqueiros, e daí passou por fim, em “janeiro de 1855, para as praias de Aracaju”.(20)

Em dezembro de 1854, pouco antes da Resolução de transferência da capital em março de 1855, o presidente Inácio Joaquim Barbosa (1821-1855) ordenou, “sem perda de tempo”, a mudança da Mesa de Rendas (repartição de arrecadação de receitas) da Barra dos Coqueiros “para a margem oposta do Aracaju, no lugar Olaria”. Esta mudança fazia parte dos planos do presidente Barbosa com vistas à concretização do projeto de mudança da capital da província, dali a poucos meses. Perceba-se que o local escolhido para o funcionamento da Mesa de Rendas foi a praia da “Olaria”, topônimo que evidencia uma das atividades econômicas dos antigos moradores do povoado.(21)

Além da instalação imediata da Mesa de Rendas, Inácio Barbosa também ordenou, em janeiro de 1855, a mudança da Alfândega, a criação de uma subdelegacia de polícia e de uma agência dos Correios na “Barra do Aracaju”, para atender ao “crescido número de habitantes da povoação”, como também aos comerciantes e navegadores que “demandam aquele porto”.(22) Essas medidas foram o embrião da infraestrutura para transformar o povoado em capital da província.

Os limites de ação da nova subdelegacia do então povoado do Aracaju foram os seguintes: “a margem do rio do Sal, do lado sul, com todas as suas voltas, a principiar da boca do mesmo [rio] e do Porto da Olaria, denominado Olaria das Almas, rumo direito a meter no rio Poxim, no lugar denominado Mundé da Onça, e deste rio descerá até a sua foz, no lugar onde se denomina Saco do Rio Poxim”.(23)

Dessa forma, os limites do distrito do antigo Aracaju tinham como balizas os rios que banham seu território: ao norte, rio do Sal; e ao sul, o Poxim. Atualmente, nas proximidades da “foz do Poxim” existe uma área, entre os bairros Atalaia e Farolândia, cujos moradores ainda a denominam de “Saquinho”, fazendo alusão à antiga região “Saco do Rio Poxim” registrada no documento de 1855.

Quanto ao topônimo “Mundé da Onça”, sendo Mundé ou Mondé significando armadilha de caça, era uma passagem no rio Poxim no trecho da estrada entre São Cristóvão e Aracaju. Nesse lugar, atravessava-se primeiro por barca, a partir de 1858; e depois por uma ponte, construída em 1863.(24)

O grande passo para transformar o povoado em capital provincial foi dado em 1º de março de 1855 pelo presidente Inácio Barbosa, dezesseis dias antes de publicar a resolução de mudança. Ele reuniu os deputados no alto da colina de Santo Antônio, em Aracaju, e leu decisivo sua proposta: “Entendo que a Sede da Capital da Província não deve continuar a ser na cidade de São Cristóvão, e para este fim proponho-vos o Povoado do Aracaju onde nos achamos, pelas razões que passo a expor-vos”.(25)     

Aos poucos a povoação de pequenos lavradores, oleiros, salineiros e pescadores foi se preparando para ser cabeça da província dali a poucos dias. Tudo estava por fazer, assim descreveu o povoado um jornal fluminense, coevo à transferência da capital: “O Aracaju é uma planície na margem direita do rio Cotinguiba (...). De poucas e pobres cabanas se compõe o arraial, que é hoje a nova capital de Sergipe”.(26)

Já o correspondente do Diário de Pernambuco em Sergipe, a propósito cognominado “O Cotinguibeiro”, também descreveu a povoação em carta de 05 de março de 1855, quatro dias após a reunião da Assembleia Provincial para apreciação e votação da proposta de mudança da capital. Escreveu o publicista: “O Aracaju foi o primeiro lugar habitado nesta província pelos Portugueses, mas depois sendo abandonado ficou sendo apenas um povoado pequeno com a sua igrejinha de S. Antônio”.(27) Realmente, a povoação desde o início do século XIX também era chamada de povoado Santo Antônio do Aracaju, por conta da devoção a este santo na capelinha construída em fins do século XVIII, no alto da colina do mesmo nome.(28)

Eis, em largas pinceladas, uma trajetória da capital sergipana bem antes dela se tornar a nova Barbosópolis, ou a nova capital dos sergipanos em 17 de março de 1855.   

NOTAS e REFERÊNCIAS:

1- SOUZA, Gabriel Soares. Tratado descritivo do Brasil, 1587. 2ª ed. Rio de Janeiro:  Typographia de João Ignacio da Silva, 1879. p. 32.

2- FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1891. p. 384.

3- PORTO, Fernando de Figeuiredo. Alguns nomes antigos do Aracaju. Aracaju: J. Andrade, 2003. p. 61.   

4- FREIRE. Op. cit. p. 408.

5- MORENO, Diogo de Campos. Livro que dá razão do Estado do Brasil-1612. Recife: Arquivo Público Estadual, 1955. p. 162.

6 - JABOATÃO, Frei Antônio de Santa Maria de. Novo Orbe Seráfico Brasílico. Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense, 1858. p. 129-133. (1ª edição, Lisboa, 1761).

7- BASTOSCOELHO, J. R. Coisas e vultos de Aracaju. Rio de Janeiro: s.n., 1956.

8- SOUZA, Marcos Antônio de. Memória sobre a capitania de Sergipe. Aracaju: Secult, 2005. p. 33.

9- Correio Sergipense. São Cristóvão, 10 de maio de 1851, nº 32, p. 02.

10- SILVA LISBOA, Luís Carlos da. Chorographia do Estado de Sergipe. Aracaju: Imprensa Oficial, 1897. p. 21.  

11- CASAL, Manuel Aires de. Corografia Brasílica. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1817. p. 252.12- SILVA LISBOA, Manoel Ribeiro da. Relatório de todos os atos do governo da província de Sergipe. Bahia: Typographia do Correio Mercantil, 1835. p. 04; Correio Sergipense. São Cristóvão, 11 de abril de 1849, nº 24, p. 04.

 

13- SILVA, José Antônio de Oliveira. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa de Sergipe. S. Cristóvão, 08 de março de 1852, mapa 08.

14- Correio Sergipense. São Cristóvão, 26 de janeiro de 1853, nº 07, p. 02.

15- Correio Sergipense. São Cristóvão, 22 de abril de 1854, nº 29, p. 04.

16- PEREIRA, Bento de Mello. Fala à Assembleia Legislativa de Sergipe. Sergipe: Typographia de Silveira, 1837. p. 05.

17- Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 02 de janeiro de 1837, nº 01, p. 01.

18- SAINT-ADOLPHE, J.C.R. Milliet de. Dicionário geográfico, histórico e descritivo do Brasil. Paris: J. P. Aillaud, 1845. Tomo I, p. 66.

19- BELLO, Wenceslau de Oliveira. Fala do presidente à Assembleia Provincial. São Cristóvão, Typ. Provincial de Sergipe, 11 de janeiro de 1840. p. 17-19.

20- ALMEIDA, Maria da Glória Santana de. Sergipe: fundamentos de uma economia dependente. Petrópolis-RJ: Vozes, 1984. p. 39.

21- Correio Sergipense. São Cristóvão, 13 de janeiro de 1855, nº 03, p. 02.  

22- Correio Sergipense. São Cristóvão, 27 de janeiro de 1855, nº 07, p. 01.

23- Correio Sergipense. São Cristóvão, 31 de janeiro de 1855, nº 08, p. 02.

24- Correio Sergipense. Aracaju, 04 de março de 1863, nº 17, p. 01.

25- BARBOSA, Inácio. Relatório à Assembleia Provincial. Sergipe: Typ. Provincial, 1º de março de 1855. p. 01.

26- Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 22 de março de 1855, nº 81, p. 01.

27- Diário de Pernambuco. Recife, 19 de março de 1855, nº 64b, p. 01.

28- A capelinha de S. Antônio do Aracaju que erradamente expõem alguns ser a primeira igreja de S. Cristóvão, foi edificada posteriormente. É instituição de família Furtado de Mendonça (1740 a 1769). OLIVEIRA TELES, Manuel dos Passos. Christophaneida - Introdução a história de Sergipe (manuscrito de 1892). Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Arquivo Teodoro Sampaio, Cx. 04, Doc. 07. In AMENO, Juliana Carvalho. Christophaneida ou Introdução à História de Sergipe por Manuel dos Passos Oliveira Teles: edição de um manuscrito. São Cristóvão-SE: UFS, 2019. p. 20 (Artigo de graduação em História).

Amâncio Cardoso é professor de História aposentado do IFS-Campus Aracaju.        

Mapa da barra e do rio Cotinguiba, cidade de Aracaju, província do Sergipe, 1875. Arquivo Nacional. Fundo Ministério da Viação e Obras Públicas.

 
Edição de texto: Monica Pinto
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