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‘The Feed’: confira a série comparada ao sucesso Black Mirror
História quase verossímil mostra encantamentos e riscos de sociedades conectadas 100% do tempo
Blogs e Colunas | Levando a Série 12/02/2022 17h00

The Feed (A Fonte), série com assinatura da Amazon Prime Video, até faria jus à expressão “isso é muito Black Mirror’, cunhada em meio ao meritório sucesso exibido pela concorrente Netflix. As associações entre ambas se disseminaram naturalmente, afinal, o alicerce das duas é o avanço tecnológico nutrindo abordagens fictícias, algumas das quais talvez não por muito tempo.  

Porém, é injusto comparar abacaxi com banana. Para começar, as dinâmicas são muito diferentes. Black Mirror apresenta uma história completa a cada um de seus 22 episódios, distribuídos em cinco temporadas – por enquanto. The Feed se desenrola ao longo de dez episódios, o que já exige mais tempo e propósito para mergulhar no enredo. 

Cada episódio de The Feed é aberto por uma fictícia propaganda da tecnologia, que consiste em um implante no cérebro, já feito em milhões de usuários por todo o mundo e que permite a eles compartilhar pensamentos, emoções e memórias, estas últimas batizadas de “mundles”.  

Nesse futuro próximo, de resto bastante similar ao tempo presente na vida real, acompanhamos a família Hatfield, uma das mais poderosas do planeta. O patriarca Lawrence (David Thewlis, que fez o professor Lupin na saga Harry Potter) é o gênio por trás da criação da tecnologia. Sua esposa Meredith (Michelle Fairley, a Catelyn Stark de “Game of Thrones”) atua como CEO e uma espécie de relações-públicas do negócio.

O filho mais novo do casal, Ben (Jeremy Neumark Jones), é um dos principais executivos na multinacional, sujeito conturbado que se percebe à sombra do irmão mais velho. Para piorar o incômodo de Ben, o primogênito do casal Lawrence e Meredith, Tom Hatfield (Guy Burnet), destoa do caminho familiar. Psicólogo, ele atua prioritariamente no detox de usuários que se tornam viciados na tecnologia. Sim, é possível desligar o implante cerebral com um movimento de olhos, mas poucos estão dispostos a isso e os resultados ganham um viés catastrófico. 

A série, baseada no romance de Nick Clark Windo, teve adaptação para a telinha a cargo da roteirista e produtora norte-americana Elizabeth Channing Powell. Coautora da versão televisiva de ‘The Walking Dead’, esta inspirada nas histórias em quadrinhos de Robert Kirkman, ela apresenta, portanto, credenciais de especialista no distópico universo zumbi.

Apesar de nada semelhante aos mortos-vivos que enxameiam na trama pós-apocalíptica da AMC, zumbis oferecem adequada analogia com alguns personagens em The Feed. Essas pessoas demonstram total dependência da conexão, ao ponto de não mais se reconhecerem sem ela, numa perda existencial e funcional exposta pelo olhar vazio que as caracteriza. 

Em grau menos trágico, porém igualmente lamentável, há os que chegam à incapacidade de cumprir tarefas corriqueiras se desligarem o implante. Exemplo: impedida de se conectar por circunstâncias que não citarei, uma das personagens fica confusa frente ao ato de picar uma cebola, já que precisa fazê-lo sem recorrer ao tutorial sobre essa ação agora de grande complexidade, ao que tudo indica. 

As implicações da tecnologia vão fluindo, num processo que atinge diretamente a esposa de Tom, Kate (Nina Toussaint-White), e a filha bebê do casal, lançando o primogênito dos Hatfield em uma teia de intrigas, mentiras e luta pelo poder em escala global. 

Destaque-se a improbabilidade de retirar o implante com total segurança, pois há o risco cirúrgico de atingir partes do cérebro cujas funções são vitais ou, no mínimo, essenciais para a plena qualidade de vida. Os grupos anti-Feed da série, chamados de “Resistores”, rotineiramente funcionam como bodes expiatórios dos sucessivos problemas que vêm à tona, desta forma servindo à conveniência premeditada da megacorporação. 

Em várias entrevistas, Channing Powell relatou que, enquanto escrevia a adaptação televisiva de The Feed, o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, foi levado a depor no Congresso dos EUA, e houve o escândalo de hackers russos durante a eleição presidencial que culminou na vitória de Donald Trump. “Todas essas questões sobre privacidade estavam surgindo”, disse Powell. “Eu me peguei pensando: 'eles estão armazenando nossos dados e vendendo-os’. Eles vêm fazendo isso há anos e eu tinha uma visão meio complacente sobre isso”.

Ela também assume que sequer imaginava quão perto da realidade poderia caminhar o enredo de The Feed.  Embarcou em pesquisas e se assustou com o que descobriu. Disse ela na entrevista: “supostamente o Facebook está trabalhando em algo que entraria na sua cabeça e o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) está tentando desenvolver uma tecnologia alimentada pelo pensamento”. Na visão da executiva, “uma noção aterrorizante”, capaz de romper “a última fronteira de privacidade que temos”. 

O Facebook vem realmente pesquisando o que chama de interfaces cérebro-computador, de modo a que o usuário possa emitir comandos para dispositivos apenas com o pensamento. Mas é bom deixar claro que isso não inclui implante ou qualquer outro procedimento invasivo. A ideia é agregar a tecnologia a óculos de realidade aumentada, aí adentrando a seara do Google Glass, que por enquanto morreu na praia.  A conferir se haverá jeito de ressuscitá-lo.

Muito mais associada ao enredo de The Feed é a iniciativa do bilionário Elon Musk. Em março de 2017, o Wall Street Journal noticiou que o fundador e CEO da Tesla e da SpaceX lançara a Neuralink Corp. “A Neuralink está buscando o que Musk chama de tecnologia de laço neural, implantando minúsculos eletrodos cerebrais que podem um dia fazer upload e download de pensamentos”, diz a publicação. Da minha parte, acho que a espécie humana já tem lixo demais na cabeça, capaz até de aventar a possibilidade de criação de um Partido Nazista no Brasil, o auge da sandice e da maldade.

A propósito, The Feed expõe o risco de líderes com propensões ditatoriais obterem acesso e controle aos pensamentos das populações sob seus governos. Ia dar certinho... 

Entre as implicações da tecnologia por enquanto no território da ficção, não foi mostrada na série uma das mais preocupantes, a meu ver. Como o Feed viabiliza ao usuário se colocar no ambiente em que deseje, é possível estar no meio de uma floresta, por exemplo. Para muitas pessoas bastaria esse virtual "contato com a natureza", num salvo-conduto para acabar de vez com os ecossistemas sobreviventes à destruição do que, na prática, "só" nos garante qualidade de ar e de água, coisa que nenhum implante vai suprir. 

The Feed fornece elementos sólidos para questionar os trôpegos caminhos civilizatórios de grande parte da humanidade contemporânea. Além da história bem contada, só isso já me valeria a pena. Refletir sobre o mundo que estamos legando a nossas crianças e às futuras gerações é, mais do que nunca, necessário. 

Por fim, deixo uma citação atribuída ao gênio Albert Einstein que talvez já tenha sido usada, mas nunca é demais repeti-la: “O espírito humano precisa prevalecer sobre a tecnologia”.

Para maratonar:

The Feed (A Fonte) – dez episódios em uma temporada completa, disponível na Amazon Prime Video

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