Especialistas de SE comentam limites da mídia após Caso Eloá ser lembrado | F5 News - Sergipe Atualizado

Espetacularização
Especialistas de SE comentam limites da mídia após Caso Eloá ser lembrado
Crime de 2008 volta a repercutir ao ser foco da reestreia do programa Linha Direta
Cotidiano | Por Ana Carolina Alves 06/05/2023 20h00


Na sexta-feira (5), o chamado Caso Eloá e a apresentadora Sonia Abrão estavam entre os assuntos mais comentados do Twitter, os trending topics. O impulso para a repercussão de um crime ocorrido em outubro de 2008 foi o fato dele ter sido pauta do programa Linha Direta, da TV Globo, que voltou a ser exibido no dia anterior, a quinta-feira (4), depois de 16 anos fora do ar. 

No dia 17 de outubro de 2008, Eloá Christina, de 15 anos, foi morta por seu ex-companheiro, Lindemberg Alves, de 22, após quase cinco dias de cárcere privado. Outros jovens, amigos da adolescente, também foram feitos reféns ao longo desse período. O crime foi acompanhado de perto pela população, por intermédio de ampla cobertura da mídia.

Na reestreia do programa, o promotor de Justiça Antônio Nobre Folgado afirma que uma apresentadora atrapalhou a negociação para que os reféns fossem liberados, o que resultou no final trágico.

“Teve um momento em que uma apresentadora de televisão se colocou como negociadora e interrompeu a negociação com a polícia. Nesse dia (15 de outubro), havia um acordo feito entre o capitão, o irmão da Eloá, e o Lindemberg para ele se render”, disse o promotor em entrevista ao jornalista Pedro Bial.

Apesar de não ter citado o nome, ele se referia à apresentadora Sonia Abrão, que entrevistou o sequestrador ao vivo duas vezes em seu programa “A tarde é sua”.

Para o promotor, Lindemberg voltou atrás na decisão de se render após verificar que tinha ganhado visibilidade nacional. “Lindemberg percebe que está ao vivo para o Brasil inteiro e resolve prolongar essa situação, porque ele era o centro das atenções”, afirmou.

O programa liderado por Pedro Bial expôs uma má conduta e interferência indevida de uma apresentadora de TV, mas sem, contudo, tratá-lo como um episódio isolado, ao abordar que outros veículos de imprensa, incluindo a Globo, mantiveram uma proximidade considerada perigosa com o desenrolar de uma negociação que findou em tragédia. 

No Twitter, muitas postagens levantaram o debate sobre os limites da imprensa na cobertura policial. F5 News buscou análises sobre o episódio.

A jornalista Juliana Almeida, mestre e doutora em Sociologia, avalia que esse é um dos casos mais emblemáticos do jornalismo brasileiro, pela intensa cobertura e a contribuição da imprensa para o desfecho ocorrido. “Se fez disso um espetáculo, porque acamparam na porta do prédio, os jornais eram feitos ao vivo de lá. E certamente, o Lindemberg acompanhava isso e lógico que mexia psicologicamente com ele. Essa ação da Sônia Abrão foi absolutamente condenável”, disse ela ao portal

Juliana Almeida avalia que a partir do momento que a apresentadora conseguiu o telefone que era a única forma da polícia se comunicar com o sequestrador, e passou a agir como “negociadora”, assumiu um papel que não lhe cabia. “Ela extrapola todos os limites razoáveis do jornalismo. Porque aí você não está mais numa esfera da informação e, sim, numa esfera policial de negociação, que não cabe ao jornalismo”, afirma.

A doutora em Sociologia lembra que muitos princípios éticos estão em jogo quando se fala de cobertura midiática, e há impactos diretos sobre a sociedade. “A gente tem que ter em mente que a editoria policial é uma das mais consumidas. Então quanto mais você alimenta esse medo, essa sensação de insegurança, você acaba refletindo isso socialmente”, pondera.

A mestre em Psicologia Social Larissa Moura comenta o risco de se gerar um desejo de reproduzir determinados crimes, que ela chama de "efeito contágio", daí porque muitas vezes é recomendado não entrar em detalhes no transcurso da cobertura jornalística, ou mesmo adiá-la até a resolução do crime. “A depender da gravidade, da repercussão do caso, você só está espetacularizando e reforçando esse efeito contágio”, disse ao F5 News.

O jornalista Antônio Cardoso, repórter do Cidade Alerta Sergipe, de noticiário prioritariamente policial, falou ao F5 News sobre limites que observa ao lidar com a cobertura de determinados crimes. 

“Existe um cuidado um pouco maior da gente que trabalha com isso - que hoje eu acho que começou a se perder - que é um cuidado com a vítima. A vítima às vezes tem que se expor muito para que aquele caso venha à tona, para que não seja esquecido pela polícia, pela investigação, pela justiça", disse ao portal.

O repórter prossegue afirmando que o consentimento da vítima ou de familiares é fundamental: "Eu confirmo sempre antes de entrar ao vivo em alguma matéria, pergunto se a pessoa realmente quer entrar naquela luta, naquela batalha. Porque a mídia é usada hoje muito para isso, para defender casos, para que aquele caso não seja esquecido, para que a justiça seja feita em algum momento”.

Antônio Cardoso comenta que os limites éticos passam pelo conhecimento da legislação, seja na esfera criminal, política ou referente aos direitos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), entre outros exemplos. Sensibilidade é outra condição básica de cuidado. "O repórter precisa ter tato, às vezes é o jeito de falar, olhar no olho da pessoa, saber o que ela está querendo passar. Isso tudo depende do feeling do jornalista”, disse ainda ao F5 News.

Para o repórter do programa policial, o caso Eloá escancara o principal problema do jornalismo comercial das últimas décadas: a espetacularização. “É um marco do que não se deve fazer. Desde o caso Eloá para cá, se multiplicou o número de programas porque a audiência busca muito assistir esse tipo de enredo”.

Estagiária sob supervisão da jornalista Mônica Pinto 

Edição de texto: Monica Pinto
Mais Notícias de Cotidiano
Concresul/Divulgação
04/05/2024  13h22 Sergipe vai enviar bombeiros e equipamentos para apoiar vítimas das chuvas no RS
Secom PMA
04/05/2024  12h17 Trânsito no Centro será modificado neste domingo (5) para demolição de prédio
Ilustrativo/ Freepik
04/05/2024  09h40 Especialista de SE explica os riscos de consumir água em recipientes sujos
Governo de Sergipe
04/05/2024  09h22 Homem morre em acidente com trator em Poço Verde (SE)
Arthuro Paganini/PMA
04/05/2024  08h50 Confira a previsão do tempo em Aracaju para este sábado (4)

F5 News Copyright © 2010-2024 F5 News - Sergipe Atualizado