Vozes do Vício: como o consumo de drogas domina vidas no centro de Aracaju | F5 News - Sergipe Atualizado

Direitos Humanos
Vozes do Vício: como o consumo de drogas domina vidas no centro de Aracaju
Conheça projetos que atuam na recuperação de dependentes químicos na capital sergipana
Cotidiano | Por Victória Valverde 12/08/2019 06h00 - Atualizado em 12/08/2019 11h07


“O crack só leva ao roubo, ao medo. Todo mundo tem curiosidade, um menino me chamou para usar e até agora eu tô nessa. Quando peço dinheiro já acham que é para comprar drogas, me sinto humilhado. Com fé em Deus pararei”, disse Marcelo*, com os olhos marejados quando aceitou conversar com a reportagem.

Marcelo tem 18 anos, é morador de rua e viciado em crack, droga que começou a consumir há cerca de um ano. Artesão, ele faz rosas a partir de folhas de coqueiros. Disse que nunca roubou. Sua mãe o visita regularmente e implora para que volte para casa, mas o vício e a vergonha o impedem de segui-la.

Marcelo é apenas um dos viciados que vagueiam desnorteados pelas ruas de Aracaju. O padrão se repete: olhos e mãos inquietas, rostos ossudos e uma visível falta de higiene pessoal.

A “cracolândia” de Aracaju é localizada no centro da cidade e abrange a região que vai desde os mercados municipais até a rodoviária velha, contaminando também os bairros dos arredores. Quem anda por aquelas áreas  à noite certamente irá se deparar com o vício no seu estado mais bruto, às 20h o local já está cheio de usuários, independente do dia da semana.

Com o comércio fechado – com exceção de poucos bares, barracas de comidas e carros com caixas de som ligadas – a região é ocupada por dependentes químicos, moradores de rua e prostitutas. É comum a presença de vigias contratados pelos lojistas para proteger os seus negócios. De acordo com os usuários de drogas, eles costumam ser agressivos.

Apesar do maior fluxo de dependentes ser no período noturno, eles também permanecem no local durante o dia. De acordo com a dona de um dos restaurantes do Mercado de Artesanato Thales Ferraz, que trabalha na região há 13 anos, os usuários de drogas costumam incomodar os clientes pedindo trocados e abordam mulheres com comentários de teor sexual.

“Eles ficam transformados, é impressionante o que a droga faz. Aqui a gente está na mão de Deus. Como comerciante é péssimo para mim, pois atrapalha o movimento, mas a gente não pode fazer nada, quando eles falam nós ficamos com medo, mas nem reclamamos”, disse a comerciante ao F5 News.

De acordo com o major Alisson Rodrigues Aguiar, comandante da 6ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM), o perímetro é patrulhado pela Polícia Militar (PM), que atua para coibir os crimes ligados diretamente ao consumo de entorpecentes, como furto e agressões.

A PM não tem a contabilizado o número atual de usuários, mas informa que os dependentes em estado mais crítico acumulam-se principalmente na rua Florentino Menezes e imediações.

Vozes do Vício

A maioria dos usuários de drogas do centro consome majoritariamente uma substância: o crack. Droga barata, a pedra do crack é vendida pelos traficantes locais por 5 a 10 reais a unidade.

Euforia, hiperatividade, excitação. Esses são alguns dos efeitos colaterais do crack, que duram em média cinco minutos, o que leva o usuário a consumir a substância muitas vezes em curtos períodos de tempo, facilitando a dependência.

Matheus*, morador de rua de 39 anos, é natural de Ilhéus, Bahia, e se mudou para a capital sergipana em busca de oportunidade de emprego. Matheus era pescador. Há sete meses, por influência de um colega, começou a usar crack. Viciou-se em questão de dias.

Ele tentou parar de consumir a droga sozinho e chegou a procurar uma casa de recuperação, mas relatou que não o deixaram ficar por não ter contato com a família e não ter como contribuir financeiramente.

“Quero me recuperar para voltar para minha cidade porque é terrível essa droga, só sabe quem passa. Já vi muitos morrerem aqui no centro de facada . Tem usuários que não se controlam, então, muitas vezes, a polícia chega e bate em todo mundo. Eles veem a gente nessa vida e descem a madeira", relata Matheus.

Apesar de todas as adversidades, há aqueles que conseguem sair do vício. Fábio*, de 44 anos, é uma dessas pessoas. Foram 30 anos de usos de drogas. Sua infância foi preenchida por um convívio familiar difícil, mãe ausente, padastro agressivo. O consumo iniciou aos 13 anos, impulsionado por uma necessidade de autoafirmação e suprimento da falta de afeto.

Fábio começou com "cheiros da Loló, maconha e alguns entorpecentes em comprimido, substâncias muito usadas em Aracaju na década de 90. No final da adolescência veio a cocaína, seguida pelo crack em 2010, depois de cerca de 20 anos de uso de drogas.

O crack o fez vender seus pertences, perder o controle, ser rejeitado por família e amigos. Fábio frequentou a região do mercado e da rodoviária velha, ia descalço, imundo, quase morreu lá. Ao decidir que não dava mais, parou por alguns anos, teve muitas recaídas – a cada recaída, suas insanidades aumentavam – até que, no dia 27 de novembro de 2018, parou de vez.

"A droga me tirou a lucidez, o controle das coisas. Você se torna um lixo humano. O uso da droga faz você se prostituir ao ponto de só ter contato com pessoas que lhe sugam. Agora estou em uma nova fase, sigo uma doutrina evangélica e espero nunca mais voltar. Essa vida não leva a nada, é só perda. Não há sabor, não há brilho, só subtração", disse Fábio.

À Procura da Redenção

Existem algumas ferramentas disponíveis em Aracaju para dependentes à procura da sobriedade. Duas das unidades dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – geridas pela Secretaria Municipal de Saúde – trabalham nesta área: o CAPS Ad Primavera  (usuários a partir de 30 anos) e o CAPS Ad Infantojuvenil Vida (usuários de até 29 anos).

Esses centros prestam atendimento de segunda a sexta e contam com uma equipe multiprofissional composta por médicos, psiquiatras, educadores físicos, psicólogos e assistentes sociais.

De acordo com Luciana Rodrigues, coordenadora do CAPS Ad Primavera, cada um desses centros atende diariamente cerca de 70 a 90 usuários, que participam de atividades como atendimento psicossocial, reestabelecimento de vínculos familiares, introdução no sistema educacional, cuidados de saúde, regulamentação de documentos e auxílio na entrada no mercado de trabalho.

Aliada aos CAPS, existe a Unidade de Acolhimento Adulto UAA, que funciona como uma casa de acolhimento transitório – localizada no Bairro Inácio Barbosa, no conjunto Parque dos Coqueiros – para homens e mulheres a partir de 18 anos que são dependentes químicos e estão em situação de vulnerabilidade, mas já iniciaram tratamento.

A casa abriga até 10 pessoas por vez, sendo que o tempo máximo de permanência é de seis meses. O local tem profissionais disponíveis 24 horas por dia e realiza atividades em conjunto com o CAPS.

Outra iniciativa da Secretaria Municipal de Saúde é o Projeto Redução de Danos, criado em 2002. A proposta do projeto é ir até os lugares frequentados pelos usuários de drogas com o intuito de distribuir preservativos, materiais informativos e fazer uma ligação dessas pessoas com os serviços de saúde que possam lhes prestar assistência.

O projeto tem oito profissionais da área da saúde ativos e faz uma média de 1.100 acessos (abordagens) por mês, sendo que uma pessoa pode ser abordada mais de uma vez.

Um dos projetos não governamentais mais famosos que lida com a questão dos dependentes químicos em Aracaju é o Centro de Recuperação Evangélico Maanaim, atuante em seis estados brasileiros.

O projeto chegou em Aracaju em 2014 e é dividido em um centro de homens, outro de mulheres e uma república que toma conta dos dependentes que encontram-se estáveis e estão inseridos no mercado de trabalho. Atualmente 120 pessoas são assistidas pelo Maanaim, localizado na Coroa do Meio. A entrada dos dependentes no centro é voluntária.

Algumas das atividades realizadas no Maaanaim são: leituras de provérbios, atividades de organização das casas, cultos coletivos, atividades ao ar livre e visitas a igrejas. Apesar de não ter um convênio público e funcionar através de doações, o Maanaim incentiva o pagamento de uma mensalidade de 450 reais.

 

*Estagiária sob a supervisão do jornalista Will Rodriguez.
**Os nomes dos dependentes químicos foram alterados para preservação das suas identidades.

Mais Notícias de Cotidiano
Marcelo Camargo/Agência Brasil
08/05/2024  18h19 População idosa em Sergipe cresce e crimes contra essa faixa etária aumentam
Sergipe registra um aumento de 58% na população idosa nos últimos 12 anos
Rede social/Reprodução
08/05/2024  18h18 Vídeo: Ônibus da Tropical circula sem vidro traseiro em São Cristóvão
Veículo transportava passageiros para a capital. SMTT diz que notificou empresa
CBMSE
08/05/2024  17h45 Bombeiros começam a vistoriar barracas de fogos de artifício em Sergipe
Os interessados precisam manifestar o interesse no site da corporação
SSP/Ilustrativa
08/05/2024  17h21 Foragido por roubo, estupro e latrocínio em Japaratuba é preso
Suspeito de 40 anos estava foragido desde 1º de março, após cometer latrocínio
Ana Lícia Menezes/Agência Aracaju
08/05/2024  17h10 Reunião da versão final do edital do transporte coletivo é adiada novamente
O adiamento se deu devido a uma viagem a Brasília de dois prefeitos do Consórcio

F5 News Copyright © 2010-2024 F5 News - Sergipe Atualizado