A adoção direta é crime? | Direito de Família | F5 News - Sergipe Atualizado

A adoção direta é crime?
Saiba as diferenças entre adoção direta e adoção à brasileira
Blogs e Colunas | Direito de Família 01/09/2022 14h00 - Atualizado em 01/09/2022 15h40

A adoção direta é uma modalidade muito praticada no Brasil e que é, infelizmente, muito confundida com a adoção à brasileira, um outro tipo de adoção, bem antiga e ainda muito praticada no país, e está tipificada como crime no Art. 242 do Código Penal. Mas por que existe tanta confusão entre esses dois tipos de adoção?

Vamos explicar primeiramente o que é adoção direta ou também denominada Intuitu Personae ou consentida. Ela é uma forma de adoção onde uma mãe biológica entrega seu bebê a uma pessoa ou família escolhida por ela. Aqui nessa relação, o Judiciário não escolhe para onde o bebê vai, nesse tipo de adoção a genitora entrega de forma direta - como o próprio nome diz, de forma Intuitu personae (pessoal), seu bebê a uma pessoa ou casal de sua livre e espontânea vontade.

A mãe é quem decide entregar seu bebê por uma relação de confiança, amizade, escolha, desejo de participação, intimidade ou parentesco. Ela deseja participar ativamente desse processo decidindo, por ela mesma, quem poderá ser o melhor pai e mãe do seu bebê.

E qual o mal nisso? Em tempos de valorização e empoderamento feminino, exigir que a genitora não possa escolher a quem entregar seu filho, em adoção, não seria uma violência contra a mulher? Por que ela só pode entregar seu filho ao Poder Judiciário sem ter o direito de escolha e nem saber para onde a criança mesmo estaria indo? Por que ela não pode participar ativamente desse processo?

Sabe-se que muitos juristas são a favor dessa modalidade de adoção, enquanto outros são contrários e ainda a comparam com a adoção à brasileira, que é considerada crime.

Bem, agora vamos a explicação da confusão desses dois institutos. A adoção à brasileira é a modalidade de adoção onde a mãe biológica entrega seu bebê a uma pessoa ou casal, só que um deles registra o bebê como se filho natural fosse. Como assim?

Vou explicar. Uma mãe deseja entregar seu filho após o nascimento a uma pessoa ou casal, e quando o bebê nasce a mãe biológica não registra a criança e automaticamente entrega a uma pessoa ou família adotiva que registra a criança como filho natural deles sem o ser, por isso é considerada crime (Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena - reclusão, de dois a seis anos.)

Quem faz adoção à brasileira nem precisa passar pelo processo de adoção porque o bebê já foi registrado em nome próprio, ou seja, uma forma de burlar o instituto. Já na adoção direta a genitora escolhe a pessoa ou casal a quem vai entregar seu bebê, faz um termo de entrega, registra-o como mãe, e depois o entrega a uma pessoa ou casal e juntos dão entrada no processo de adoção propriamente dito, perante o Poder Judiciário. Tudo com o consentimento e aprovação da genitora e onde ela participa ativamente de todos os trâmites processuais.

Como não há nenhum crime na adoção direta, ela não pode ser comparada com a adoção à brasileira. Infelizmente, a nossa legislação em relação ao instituto da adoção direta ainda é muito imprecisa, omissa, não é clara, e, em especial, não é justa, principalmente no que tange à afetividade. Essa modalidade necessita urgentemente ser legislada de forma clara e precisa, além do mais, o direito da mãe biológica tem que ser respeitado e, principalmente, a sua participação efetiva.

Lamentavelmente, algumas decisões judiciais desconsideram a forma personalíssima de escolha da genitora e retiram abruptamente o bebê da família, ou da pessoa escolhida, e alojam num abrigo ou entregam ao primeiro pretendente da fila de adoção. Muitos juristas entendem que isso é um desrespeito ao direito de escolha da mãe e fere o superior interesse da criança, a qual já possuía uma relação afetiva com a família que a acolheu. Tudo isso pelo "superior interesse" de um cadastro nacional de adotantes onde esse bebê nunca iria chegar.

Como assim? Porque a genitora que entrega seu bebê para uma pessoa ou casal nunca o entregaria para uma fila, esse não é o desejo desse tipo de mãe. Claro que existem mães que não querem saber para onde o seu bebê poderia ir e é para esse tipo que existe a fila de pretendentes. A ordem do cadastro é para aquelas crianças que foram destituídas do poder familiar, retiradas de suas famílias biológicas e colocadas num abrigo, ou também para aqueles bebês que foram abandonados, ou deixados nas maternidades ou entregues à justiça de forma consensual. Esses bebês e crianças são obrigatoriamente da fila de adoção.

O ato de amor de uma entrega equivale-se ao ato de amor de quem recebe em adoção. Frise-se que uma mãe biológica, ao entregar seu bebê de forma espontânea e gratuita à pessoa ou casal com quem ela tem laços de confiança e amizade, finaliza tranquilamente o processo dessa passagem de entrega, no seu psicológico, pois tem a certeza que fez a melhor escolha.

Contudo, tramita no Senado federal, desde 2016, um projeto de lei (PLS 369/2016) que versa sobre a regulamentação da adoção direta. A concretização desse PLS em lei trará mais segurança jurídica ao instituto, ainda considerado controverso e, embora muito praticado, é feito sem previsão normativa que o ampare, sustentando-se apenas na jurisprudência favorável. Ressalta-se que a conversão em lei desse projeto sanará eventuais riscos da venda de crianças ( já tipificado como crime no artigo 238 do ECA) sob uma aparente adoção direta.

E por fim, a coluna de hoje pretende, esclarecer e desmistificar a adoção direta, como bem disse a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente nacional e fundadora do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, no artigo Adoção e a espera do amor: “E nada, absolutamente nada impede que a mãe escolha quem sejam os pais de seu filho. Às vezes é a patroa, às vezes uma vizinha, em outros casos um casal de amigos que têm uma maneira de ver a vida, uma retidão de caráter que a mãe acha que seriam os pais ideais para o seu filho. É o que se chama de adoção intuitu personae, que não está prevista na lei, mas também não é vedada. A omissão do legislador em sede de adoção não significa que não existe tal possibilidade. Ao contrário, basta lembrar que a lei assegura aos pais o direito de nomear tutor a seu filho (art. 1.729 CC). E, se há a possibilidade de eleger quem vai ficar com o filho depois da morte, não se justifica negar o direito de escolha a quem dar em adoção" 

 

 

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O direito é muito mais que a aplicação da “letra fria da lei” ou simples aplicação das normas inflexíveis que regem a sociedade. A partir de agora, os leitores do F5News passam a contar com uma coluna sobre Direito de Família. Os artigos serão assinados pela advogada Ana Paula Araújo.

O Direito de Família e o das Sucessões têm oferecido muitos desafios para os aplicadores de Direito em geral, alcançando uma abrangência teórica e prática que não existia até um passado próximo. Desde 2021, essa é uma área que recebeu novidades normativas e legislativas, decisões inéditas e mudanças no âmbito jurisdicional. Este espaço tem como norte a democratização do entendimento da área por meio da conexão dos temas jurídicos com o cotidiano.

Nesse sentido, a especialista vai oferecer a sua sólida formação e experiência para tratar de temas que interessam aos leitores, visando gerar um conhecimento capaz de fazer com que possam melhor identificar os problemas e tenham a orientação sobre como buscar a melhor forma de solução. Afinal, ao se tratar de questões familiares e patrimoniais, é preciso ter um olhar mais humano. 

Ana Paula Soares Mota Araújo é Advogada, Consultora jurídica e Palestrante, atuante no Direito de família e Sucessões e no Estatuto da Criança e do Adolescente, Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Tem Formação Política pelo RenovaBR. Atualmente é Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões e da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/SE. É membro do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Tem formação em Mediação Extrajudicial pelo ISAM (Instituto Sergipano de Arbitragem e Mediação) e é Co-fundadora do Projeto Acalanto Sergipe - Associação sem fins lucrativos que atua como grupo de apoio a adoção de crianças e adolescentes no Estado de Sergipe.

E-mail: anapaulaaraujoadvocacia@gmail.com

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