É Namoro Qualificado ou União Estável? Saiba diferenciá-los | Direito de Família | F5 News - Sergipe Atualizado

É Namoro Qualificado ou União Estável? Saiba diferenciá-los
Blogs e Colunas | Direito de Família 24/01/2023 07h00

Muitos de vocês conhecem o famoso e polêmico caso do Gugu Liberato, e a luta na justiça do seu companheiro (ou namorado), o chef Thiago Salvático, para comprovar que convivia em União Estável com o apresentador, falecido em 22 de novembro de 2019.

No dia 15 de dezembro de 2022 saiu a decisão do Juiz José Walter Chacon, do Tribunal de Justiça de São Paulo que classificou a relação deles como clandestina podendo ser considerada como amizade. Mesmo sabendo que esta decisão cabe recurso, hoje eu trago aqui a seguinte discussão: Como saber diferenciar um namoro qualificado de uma União Estável?

O namoro qualificado e a União estável possuem diversas características comuns podendo ser facilmente confundidos. São duradouros, com um cunho romântico-afetivo, externados ou não publicamente, denotando compromisso, estabilidade e forte vínculo entre os envolvidos. Mas ambos apresentam efeitos jurídicos absolutamente diversos.

Com as constantes evoluções no direito de família e sucessões muitos dos requisitos que antes eram usados para definir a União estável foram considerados destoantes para o conceito de sociedade na atualidade. Hoje, não se faz mais necessário comprovar a residência de ambos no mesmo imóvel, não se exige mais a constatação de um lapso temporal mínimo e nem tampouco a necessidade de filhos para que seja configurada uma família para o reconhecimento da união estável.

O conceito moderno de união estável considera hoje a união estável como um relacionamento afetivo, amoroso, duradouro, público, entre pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo, que residam ou não sob o mesmo teto, com AFFECTIO MARITALIS com o desejo de constituir família. Entretanto, com toda essa simplificação conceitual da união estável aprofundou ainda mais a semelhança com o namoro qualificado.

Hoje é comum, principalmente pós-pandemia, namorados residirem juntos terem longos e duradouros relacionamentos, e participarem intensamente da vida social e familiar um do outro compartilhando inclusive, contas bancárias e até cartões de crédito.

Mas, com tantas semelhanças como vamos diferenciá-los?

A fundamental diferença entre a união estável e o denominado namoro qualificado consiste no fato de que a primeira é família constituída no momento atual, ao mesmo tempo que, o namoro qualificado é um relacionamento em que os namorados meramente alimentam uma expectativa de formar uma família no futuro.

Deste modo, no namoro qualificado há planos para a formação de família, há projetos para o futuro, enquanto na união estável há uma família plena e já fundamentada, que demonstra a imagem externa de um casamento, ou, em outras palavras, transmite a “aparência de casamento”.

Assim podemos ter um casal que resida numa mesma casa há um ou dois anos com conta poupança conjunta e, imediatamente, classificar seu relacionamento como união estável. Todavia, este casal pode estar tão somente acumulando recursos para um futuro casamento ou união estável, ou para obter um imóvel próprio onde formarão sua vida juntos, podendo tal situação ser inserida na modalidade de namoro qualificado, se existir apenas um projeto futuro de família.

Vejamos essa decisão de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, a 3ª Turma do STJ que estabeleceu uma séria análise do instituto do namoro qualificado em face da união estável (STJ – 3ª Turma, REsp. Nº 1.454,643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe. 10.03.2015).

DIREITO CIVIL. DEFINIÇÃO DE PROPÓSITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA PARA EFEITO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL.

O fato de namorados projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável, ainda que haja coabitação. Isso porque essas circunstâncias não bastam à verificação da affectio maritalis. O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, estar constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício). A coabitação entre namorados, a propósito, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. Por oportuno, convém ressaltar que existe precedente do STJ no qual, a despeito da coabitação entre os namorados, por contingências da vida, inclusive com o consequente fortalecimento da relação, reconheceu-se inexistente a união estável, justamente em virtude da não configuração do animus maritalis.

Voltando ao caso do Thiago Salvático, trechos da sentença divulgados pelo colunista Gabriel Perline, farão você entender, depois de todo o conteúdo acima explanado, o porquê do juiz não reconhecer a União estável:

“Apenas com o narrado na inicial é possível concluir que o autor e o falecido tenham sido amigos, tenham mantido algum tipo de relacionamento amoroso, tenham até mesmo namorado, mas é impossível dizer, tanto que o próprio autor não diz, que fossem considerados um casal, que tivessem um relacionamento estável, público e duradouro, como se casados fossem e com o objetivo de constituir família (...) Ainda, e especialmente, a narrativa deixa claro que tudo teria ocorrido às escondidas, em absoluto respeito à privacidade do falecido, mas também sem chegar ao conhecimento dos familiares de Antônio Augusto (Gugu). O envolvimento clandestino, como se sabe, fora até mesmo do âmbito familiar das partes, não se amolda sequer em tese a uma união estável.”

Mesmo que o Thiago Salvático comprove que ambos compartilhavam tudo em conjunto (vida, rotina, trabalho, familiares e convivência com os filhos do companheiro) e junte centenas de mensagens, fotos, provas de viagens, senha dos cartões de crédito e das redes sociais do companheiro, mas se não comprovar que formaram uma família constituída não conseguirá o Reconhecimento da União estável para ter direito a sua parte na herança.

Neste caso, podemos afirmar que, para decidir se um relacionamento se caracteriza como união estável ou como mero namoro qualificado, demanda uma análise criteriosa e minuciosa de cada caso em concreto a fim de se constatar a presença ou não do elemento subjetivo e primordial que se compreende no Animus de constituir família com o pleno compartilhamento da vida e o mútuo suporte espiritual e material irrestrito. É no Affectio Maritalis, portanto, que se resume toda a demanda.

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O direito é muito mais que a aplicação da “letra fria da lei” ou simples aplicação das normas inflexíveis que regem a sociedade. A partir de agora, os leitores do F5News passam a contar com uma coluna sobre Direito de Família. Os artigos serão assinados pela advogada Ana Paula Araújo.

O Direito de Família e o das Sucessões têm oferecido muitos desafios para os aplicadores de Direito em geral, alcançando uma abrangência teórica e prática que não existia até um passado próximo. Desde 2021, essa é uma área que recebeu novidades normativas e legislativas, decisões inéditas e mudanças no âmbito jurisdicional. Este espaço tem como norte a democratização do entendimento da área por meio da conexão dos temas jurídicos com o cotidiano.

Nesse sentido, a especialista vai oferecer a sua sólida formação e experiência para tratar de temas que interessam aos leitores, visando gerar um conhecimento capaz de fazer com que possam melhor identificar os problemas e tenham a orientação sobre como buscar a melhor forma de solução. Afinal, ao se tratar de questões familiares e patrimoniais, é preciso ter um olhar mais humano. 

Ana Paula Soares Mota Araújo é Advogada, Consultora jurídica e Palestrante, atuante no Direito de família e Sucessões e no Estatuto da Criança e do Adolescente, Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Tem Formação Política pelo RenovaBR. Atualmente é Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões e da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/SE. É membro do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Tem formação em Mediação Extrajudicial pelo ISAM (Instituto Sergipano de Arbitragem e Mediação) e é Co-fundadora do Projeto Acalanto Sergipe - Associação sem fins lucrativos que atua como grupo de apoio a adoção de crianças e adolescentes no Estado de Sergipe.

E-mail: anapaulaaraujoadvocacia@gmail.com

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