‘The Mentalist’ e ‘The Blacklist’: protagonistas tão incontroláveis quanto brilhantes | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

‘The Mentalist’ e ‘The Blacklist’: protagonistas tão incontroláveis quanto brilhantes
Séries de gênero policial transcendem tal rótulo ao mergulhar nas contradições humanas
Blogs e Colunas | Levando a Série 09/04/2021 16h00 - Atualizado em 09/04/2021 18h14


Até onde ir – ou suportar – no propósito de prender criminosos de alta periculosidade? Esse é um dilema recorrente em duas ótimas séries de investigação policial que, no entanto, entregam ao público enredos a transcender esse rótulo: The Mentalist (O Mentalista), na Amazon Prime Video, e The Blacklist (Lista Negra), na Netflix.  Ambas têm protagonistas incontroláveis que, na prática, pouco se lixam para hierarquia e seguem as próprias vontades, não raro mandando ética e protocolos administrativos às favas. Subordinação é algo inadmissível para eles, mas essa lacuna, preenchida pelos resultados que viabilizam, leva-os a se livrar de punições proporcionais a seus desmandos.

Vamos ao primeiro personagem hiper carismático: Patrick Jane, interpretado pelo ator australiano Simon Baker em The Mentalist, série exibida pela rede norteamericana CBS de 2008 a 2015. Jane era um suposto vidente célebre até que, dando entrevista a um programa de TV, mexeu com os brios do serial killer nomeado pela mídia como Red John, em alusão a sua marca registrada: o desenho de um rosto sorridente próximo de suas vítimas, feito com o sangue destas. A zombaria de Patrick Jane na telinha enfurece o assassino e custa ao fraudulento mentalista a vida das pessoas a quem mais amava, suas esposa e filha. 

Completamente quebrado pelo sofrimento, Patrick Jane interrompe sua longa trajetória de enganação, já que nunca contou de fato com qualquer poder mediúnico. Seus espetáculos  convincentes tinham por base uma incrível capacidade dedutiva, a partir de observações que escapavam à maioria. À semelhança de um Sherlock Holmes contemporâneo, Jane consegue “ler” a mente das pessoas, fareja mentiras como um perdigueiro, habilidade que lhe granjeou o cargo de consultor do fictício California Bureau of Investigation, o CBI. O agora ex-vidente se move, porém, na direção de único objetivo: matar Red John. Nessa perseguição obsessiva que permeia toda a série, seu desejo de vingança nunca esmorece. Mas, enquanto procura o inimigo, Patrick Jane brilha na investigação de outros vários crimes, recorrendo a estratégias peculiares, que vão do surpreendente ao tresloucado.  


Tal pendor para a indisciplina quebra a lógica dramática em The Mentalist e confere à história inesperada leveza, inclusive com momentos de humor. Em geral, eles nascem dos transtornos causados pela rebeldia de Patrick Jane quanto às determinações que recebe da chefe da equipe do CBI, a agente Teresa Lisbon - uma irretocável atuação da atriz Robin Tunney, que também mostra seu talento em Prison Break, outra ótima série já comentada neste espaço.  

Teresa Lisbon incorpora, a meu ver, o perfil de líder exemplar. Confiável, preparada e eficiente, ela aposta no diálogo e jamais humilha seus subordinados. Só quem a afasta do equilíbrio na condução das investigações é o consultor ex-mentalista de araque. A equipe chefiada por ela inclui os agentes Kimball Cho (Tim Kang) – reservado e irritantemente sério -; Wayne Rigsby (Owain Yeoman), mais aberto e emotivo, e a novata no CBI Grace Van Pelt (Amanda Righetti), sempre disposta a demonstrar eficiência.  

O quinteto do elenco fixo responde por uma cativante intercessão de histórias pessoais, ao longo da convivência fortalecida pela crescente amizade e pela imposição circunstancial de encobrir as estripulias do colega consultor. O fato é que todo mundo no CBI gosta dele, e não apenas por empatia com o inenarrável sofrimento a ainda fermentar no íntimo de Patrick Jane.  

A cada crime investigado, o arco da narrativa ganha maior amplitude, porém nunca se desvia do propósito em torno do qual tudo gravita: prender o serial killer Red John – a intenção dos agentes do CBI, já que, como dito, o objetivo de Patrick Jane é matá-lo, cumprindo sua vingança. Enquanto isso não acontece, o ex-vidente prossegue exalando charme com seu sorriso encantador – não raro desprovido de sinceridade –, num contraponto aos laivos de arrogância e condescendência que também distribui fartamente. O brilhantismo do consultor na resolução dos crimes o salva de represálias, mas nem sempre. 

Essa dicotomia entre tensão e humor, companheirismo e exasperação, amor e vingança, rende a The Mentalist merecida distinção no vasto território de outras séries realmente alinhadas ao gênero policial. A história do ex-vidente e sua turma vai muito além disso, repleta de nuances  a  investirem na condição humana, primazia amplificada por seu adorável desfecho. Ponto para o roteirista e produtor londrino Bruno Heller, criador da série, que também assina a deliciosa Gotham, já comentada aqui, e “Roma”, da HBO. 

No campo dos personagens incontroláveis e brilhantes, passemos ao protagonista de The Blacklist ( Lista Negra): Raymond Reddington, o criminoso mais procurado pelo FBI durante décadas, numa interpretação impagável do experiente James Spader. O ator se mostrou perfeito para o papel e, ouso garantir, deve-se a ele significativa parcela do sucesso da série, cuja estreia da próxima temporada na Netflix, a oitava, aguardo ansiosamente. 

Raymond Reddington, um ex-agente do governo dos EUA, recebeu a alcunha de "Concierge do Crime" por seu rol de contatos no submundo, que o qualificou como intermediário em todo tipo de negócio ilícito. Diferente do falso mentalista Patrick Jane, cujo maior “pecado” residual se limita à arrogância, Red – apelido do criminoso entre os íntimos – construiu um império de poder e dinheiro pelo uso de seu privilegiado cérebro, mas não hesitou em também perpetrar uma sucessão de maldades, se elas servissem aos próprios objetivos. 

The Blacklist inicia com ele se entregando ao FBI, mas o que poderia soar como arrependimento é uma impressão logo desfeita. Red lança uma inusitada proposta: ele contribui para a captura do terrorista Ranko Zamani, que o FBI dera como morto há muito tempo, mas sob a condição de apenas se reportar à agente Elizabeth Keen (Megan Boone). Ninguém entendeu nada, muito menos Liz, arrastada a um protagonismo impensável, isso em seu primeiro dia de trabalho, legitimamente conquistado em cada passo da carreira a lhe custar tempo e dedicação, com o apoio do marido, Tom Keen (Ryan Eggold). 

Vamos descobrir que o estranho interesse do criminoso pela agente novata é um dos múltiplos aspectos misteriosos a circundarem Raymond Reddington. Frio, calculista, implacável e dotado de inteligência acima da média, ele consegue manter leal sua extensa rede de contatos. Tudo bem que a maioria assim se comporta pelo temor de retaliações, mas a parte minoritária nutre por Red verdadeiro afeto, justificado pelo apoio e proteção, por vezes vital, que dele recebeu em situações de extremo risco. 

Um exemplo está em Dembe Zuma (Hisham Tawfik), amigo/segurança/cúmplice de Red. A sólida união de ambos rende cenas até comoventes, pelo empenho do criminoso chefe em corresponder à altura a lealdade do amigo funcionário, que tem em altíssima conta. É Dembe, aliás, a pessoa a melhor conhecer os segredos do enigmático Red. E há uma tonelada deles.   

O fascínio de The Blacklist vem justamente do enredo cheio de reviravoltas coerentes, até onde se pode esperar coerência de uma obra ficcional. A cada questão respondida, surgem outras capazes de, com o avançar da história, expor que quase nada era o que parecia. Enquanto Raymond Reddington vai ajudando o FBI a prender criminosos de alta periculosidade – membros da lista negra que dá nome à série, na qual constam de políticos a terroristas – perdura a incógnita: qual o interesse dele na agente Liz Keen? 

Seu relacionamento com essa parceira não oficial, exigida nos termos do acordo com o FBI, configura uma das muitas virtudes da série, entre as quais se destaca, a meu ver, o mergulho nas contradições humanas. O poderoso Red – célere no trânsito do bem para o mal, e vice-versa – obriga os agentes que lidam com ele a enfrentar dilemas éticos perturbadores, com potencial de lhes custar o emprego, na melhor das hipóteses. O meio termo hipotético é acabar na prisão e o pior, bastante provável no contexto, ser morto. 

Tais dramas de consciência são muito bem apresentados pelos membros da equipe no entorno do criminoso/informante: Donald Ressler (Diego Klattenhoff), um dos mais afetados pelas concessões a Red; Samar Navabi (Mozhan Marnò), agente do Mossad, o Serviço Secreto de Israel, “emprestada” ao FBI, e o doce Aram Mojtabai (Amir Arison), fera em praticamente tudo que envolva tecnologia. O trio e a agente Liz Keen trabalham sob a chefia de Harold Cooper (Harry Lennix), diretor da Divisão de Contraterrorismo, um sujeito bacana e honestamente comprometido com a missão que lhe foi confiada: livrar seu país de fanáticos promotores do homicídio em larga escala.  

Já considerava The Blacklist genial e essa opinião se fortaleceu imensamente no decorrer da sétima temporada. Com as gravações do episódio final interrompidas no ano passado, para cumprir o isolamento social necessário à contenção da pandemia de covid-19, o jeito foi apelar para a criatividade. Várias cenas estavam prontas e foram completadas com o recurso da animação.

Os atores e atrizes dublaram das próprias casas os respectivos personagens em desenhos, assim como todo o pessoal da área técnica envolvido nesse projeto incrível trabalhou remotamente. Fui pega de surpresa e amei a solução que garantiu ainda mais estofo à série, ao demonstrar respeito pela vida – o bem mais precioso de cada pessoa – por intermédio da união e do talento. 

Por fim, deixo à reflexão uma frase atribuída a Santo Agostinho: “A razão não se submeteria nunca, se não se julgasse que há ocasiões em que deve submeter-se.”

Para maratonar:

The Mentalist – Sete temporadas, total de 151 episódios, disponível completa na Amazon Prime Video; 

The Blacklist – Sete temporadas – oitava em gravação -, total de 152 episódios, disponível na Netflix. 
 

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