‘The One’ e ‘Soulmates’: tecnologias em prol da busca pelo amor verdadeiro | Levando a Série | F5 News - Sergipe Atualizado

‘The One’ e ‘Soulmates’: tecnologias em prol da busca pelo amor verdadeiro
As duas séries partem de premissa semelhante, mas abordagem é bem diversa
Blogs e Colunas | Levando a Série 26/03/2021 16h00 - Atualizado em 26/03/2021 18h31

O amor verdadeiro foi tema da coluna passada, sobre Outlander, e ao que tudo indica a perspectiva de encontrá-lo com a ajuda de tecnologias - por enquanto, fictícias – vem dando asas à muita imaginação. Há disponíveis na Netflix duas séries originais do streaming que se baseiam nessa premissa, assim como a Amazon Prime Video disponibiliza uma – essa um pouco anterior – cujo enfoque é exatamente tal busca. Fomos conferir as três.

A mais recente, da Netflix, é The One e sobre a versão usual do título para o português - “O Único”- cabe dizer que se mostra inadequada porque o sentido em inglês é algo como “a pessoa ideal” no parâmetro romântico, o que vale para qualquer gênero.  A segunda, disponível na Amazon, é Soulmates (Almas Gêmeas), e a terceira, um original francês da Netflix, Osmosis (Osmose). Como já dito, o que há em comum entre todas é a possibilidade de descobrir a ‘pessoa ideal’ pelo uso de tecnologias que variam de série para série. Mas enquanto o enredo de The One se constrói sobre esse alicerce, Soulmates e Osmosis o usam como um fio condutor para o desenrolar de histórias sobre relações amorosas e seus desafios.  Nelas, a tecnologia é coadjuvante, não a protagonista da trama, como em The One – embora obviamente também aborde vivências e problemas entre casais. Osmosis não me disse muita coisa, apesar do idioma francês ser o mais lindo de todos, na minha opinião, o que por si só já tenderia a me seduzir. Mas não me animei com o desfecho da primeira temporada, motivo pelo qual vou focar nas outras duas de cerne similar. Vamos a elas.

The One é britânica, criada por Howard Overman, roteirista de Merlin, já recomendada nesta coluna – . Lançada na Netflix no dia 12 passado, é oficialmente baseada no livro homônimo do inglês John Marrs, que se declara extasiado com o sucesso da interpretação televisiva, primeiro lugar de audiência no Reino Unido na semana de estreia, o que seguramente impulsiona a venda de seu trabalho literário. Pelo que se pode deduzir em entrevistas dadas por Marrs, ele não teve qualquer incômodo com algumas mudanças feitas na série em relação ao enredo de sua autoria. 

Sucintamente, num futuro não longínquo, a empresa que dá nome à série, comandada pela genial Rebecca Webb, cria uma tecnologia baseada no DNA dos interessados, capaz de garantir com 100% de precisão quem seria o par perfeito de cada um que se submete ao teste. A operação se dá via computadores que rodam o DNA da pessoa junto a um banco de dados e encontram seu “match”, a combinação que determina, em tese, cada par romântico perfeito. Na prática, obviamente, é preciso que esse(a) eleito(a) também tenha se inscrito no programa The One, de modo a que o respectivo DNA possa estar em campo no jogo. A promessa faz estrondoso sucesso, soando especialmente promissora para quem já se cansou de relações amorosas frustradas – experiência comum à maior parte da humanidade, ouso afirmar.  

A série começa com uma palestra de CEO da empresa The One, uma confiante Rebecca Webb, vendendo a tecnologia a uma audiência repleta de entusiasmo. Com um simples fio de cabelo destinado ao teste, do qual se extrai o DNA, ela assegura a infalibilidade no propósito de “encontrar a pessoa com a genética garantida para você se apaixonar”.  Lá pelas tantas, prega a executiva, gerando um clamor de euforia na plateia lotada: “nós merecemos o conto de fadas!”.  Bem, eu sempre achei o príncipe encantado um conceito bem entediante, assim como aquelas princesas esperando o dito-cujo para salvá-las. Talvez a melhor alegoria disso esteja no segundo longa do Shrek, onde o príncipe é um narcisista mimado, e a princesa que estaria destinada a ele prefere um ogro peidorrento, por quem se apaixona ao ponto de chutar o balde, ou o pau da barraca, como preferirem.  

Sem dar spoiler, fica bem claro em The One que o amor não funciona bem assim, por uma decisão tecnológica. A história é interessante, ok, no entanto tem alguns furos cuja explicação nunca ocorreu. Por exemplo: casais gays se formam, mas não me lembro de nenhum momento em que a pessoa, ao se inscrever, esclareça que é homossexual. E, até onde sei, tal informação não consta no DNA de ninguém. 

Outro buraco se abre em relação ao misterioso caráter da criadora da tecnologia The One, em parceria com o cientista James Whiting (Dimitri Leonidas), que se afastou do negócio por razões também um tanto obscuras. Rebecca Webb, um bom papel da atriz britânica Hannah Ware, transita de uma mulher normal – digamos assim –, a que vemos nos retrospectos de sua trajetória, até uma megera insensível, beirando a psicopatia, no tempo atual da série. A toda poderosa CEO da empresa que aparentemente descobriu algo como a roda contemporânea traz em seu íntimo uma montanha de escolhas sombrias.   

A investigação de uma morte que resulta associada à megaexecutiva leva The One a ganhar contornos de thriller policial. E eu não fiquei convicta de que a proposta era de fato essa. Mas a queda de braço dela com a detetive Kate Saunders (Zoë Tapper), a meu ver, é um dos pontos altos da série.  Guardadas as devidas proporções, lembra vagamente o jogo de gata e rato entre a chefona policial e o “Professor” em La Casa de Papel, também já recomendada neste espaço. Destaque-se que a detetive Kate é cliente da empresa de Rebecca. Sim, ela fez o teste e mais não posso dizer. Porém isso não a impede de, junto com o policial parceiro, ficar na cola daquela suspeita intocável, a princípio. 

Quanto à “infalível” tecnologia, a gente começa a perceber que seus efeitos nem sempre são benéficos pela presença recorrente de um sujeito protestando na porta da sede da empresa, expondo uma placa onde se lê “Uma combinação feita no inferno”. Mas fora a prioridade conferida à protagonista e seus dilemas, e à investigação que deriva disso, The One apresenta um mergulho instigante naquelas hipóteses alimentadas por perguntas que começam com “e se...?”.  E se você, leitor(a), tivesse um casamento feliz – nos parâmetros libertos do autoengano – e embarcasse na dúvida, não quanto à força de seu sentimento pelo parceiro, ou parceira, mas admitindo um outro “e se”: e se eu não for o par perfeito para a pessoa que amo? 

Esse foi o drama vivido pela personagem Hannah (Lois Chimimba), casada com o jornalista Mark (Eric Kofi-Abrefa). Apesar deles proporcionarem a The One uma abordagem a engrandecer a narrativa, humanizando-a em contraponto à frieza emanada pela perdida Rebecca, confesso que Hannah despertou em mim a vontade de dar uns tabefes nela. Pobre do meu amor, que encontrei sem usar qualquer tecnologia e que assiste tudo comigo, verificando o arco de emoções cuja amplitude vai de eu rosnando para personagens de séries, até cair em incontroláveis ataques de riso, a depender dos contextos. 

Como entretenimento, The One vale a pena, mas eu gostei mais de Soulmates (Almas Gêmeas), por várias razões. A série disponível na Amazon Prime Video tem seis episódios, cada um contando uma história independente das outras, cujo âmago é, no frigir dos ovos, a experiência humana. Tudo começa com uma campanha publicitária, um anúncio que situa a descoberta da “partícula da alma”, num futuro próximo, pela empresa Soul Connex. Diz a peça de propaganda que esta “já ajudou mais de 15 milhões de pessoas a encontrar o par perfeito, com mais de 20 mil clínicas em todo o mundo”. Qual o embasamento científico da suposta “partícula da alma” é irrelevante, e não por incompetência, mas por escolha. A operação tecnológica se resume em encaixar o rosto num aparelho muito semelhante ao de um exame oftalmológico, daqueles que observa lá dentro do olho e... bam! 

Como adiantei lá no começo, Soulmates não foca na tecnologia, mas sim nos efeitos dela. É o caminho pelo qual a série se distancia do lugar comum onde reside o entretenimento puro e simples – facilmente descartável – e aquele de outra estirpe, mais improvável de cair no esquecimento, por mexer com o público num nível inesperado. 

No primeiro episódio, conhecemos um casal feliz, que construiu família. A esposa é interpretada pela atriz australiana Sarah Snook e seu adorável marido, pelo ator inglês Kingsley Ben-Adir. Ambos se veem um tanto alijados em meio aos amigos e parentes que se submeteram ao teste para encontrar a alma gêmea, todos aparentemente vivendo num anúncio antigo de margarina. Além deste casal, há outro mais transgressor, ofensivo para a turma que parou na Idade Média: dois homens que compartilham experiências muito loucas e cujo relacionamento começa de maneira absolutamente improvável. 

Pelo meu gosto, porém, a melhor história é a do segundo episódio – "The Lovers" (Os Amantes). O desfecho é surpreendente, mas a minha preferência se deve ao protagonismo do ator David Costabile, que interpreta o professor universitário David Maddox, cujos erros do passado voltam à cena com força total. Camaleônico como os dotados de talento, o norteamericano Costabile atuou em várias séries, a exemplo de Breaking Bad e House, já comentadas neste espaço, e na ótima "Billions", que ainda vou abordar e na qual faz seu melhor papel. 

The One e Soulmates se encaixam na classificação já em desuso, muito em voga lá por 2016/17: “Isso é muito Black Mirror”. As comparações são inevitáveis e justificadas, as três séries enfocam tecnologias - existentes, quase lá ou fictícias por completo – e os impactos delas sobre a humanidade.  No caso de Soulmates, a conexão é direta. Um dos criadores da série, William Bridges, é autor de vários episódios de Black Mirror, porém não assina “Hang the DJ”, o mais associado à história da Amazon, por ter enredo muito semelhante.

Usando aplicativos ou à moda antiga, que todos possamos encontrar o amor verdadeiro, e não apenas o romântico, mas aquele a se derramar sobre qualquer forma de vida. Por fim, deixo à reflexão a frase do grande Antoine de Saint-Exupéry,  que presenteou a humanidade com “O Pequeno Príncipe”: “O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca”.

Para maratonar:

The One – oito episódios, disponível na Netflix

Soulmates – seis episódios, disponível na Amazon Prime Video.

 


 

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